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A recente homologação de duas áreas da União para usufruto exclusivo de
comunidades indígenas não apaziguou as queixas pela demora do
Estado em reconhecer e delimitar os territórios tradicionais.
“Vamos continuar lutando.
Vamos continuar brigando pela demarcação das terras”, declarou um dos
coordenadores-executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),
Kleber Karipuna.
A declaração foi durante
coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (22), dentro da programação
do 20º Acampamento Terra Livre (ATL) – mobilização indígena que, anualmente,
reúne milhares de participantes, de centenas de etnias, em Brasília.
Na última quinta-feira (18), o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação de dois territórios:
Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso. A iniciativa, às
vésperas do Dia dos Povos Indígenas, frustrou a expectativa de parte do
movimento indígena, que esperava o reconhecimento federal de outros quatro
territórios.
Durante a cerimônia de
assinatura dos decretos, o próprio presidente afirmou que a decisão de não
homologar os seis territórios foi política.
“Sei que isso frustrou alguns
companheiros e algumas companheiras, mas fiz isso para não mentir para vocês,
porque temos um problema, e é melhor a gente tentar resolver o problema antes
de assinar", disse Lula, diante de dezenas de indígenas.
Segundo o presidente, entre os
problemas identificados nas quatro áreas não homologadas está a ocupação por
não indígenas. Lula admitiu ter atendido a um pedido de governadores.
"Temos algumas terras
ocupadas por fazendeiros, outras por gente comum, possivelmente tão pobres
quanto nós. Tem umas que têm 800 pessoas que não são indígenas ocupando. Tem
outras com mais gente. E tem alguns governadores que pediram mais tempo para
saber como vamos tirar essas pessoas, porque não posso chegar com a polícia e
ser violento com as pessoas que estão lá", acrescentou o presidente, na
ocasião.
Duas das quatro áreas que o
governo federal optou por não homologar, apesar do Ministério da Justiça e
Segurança Pública já ter emitido as devidas portarias declaratórias, ficam em
Santa Catarina.
Segundo Kretã Kaingang, também
coordenador-executivo da Apib, o reconhecimento do direito indígena às duas
áreas é uma “questão de honra” para o movimento.
“A morosidade por parte do
governo nos deixa nesta situação. Como organização indígena nacional e
representativa da região, não podemos ver nossos parentes ser mortos e não
darmos uma resposta a nossas bases. Enquanto não conseguirmos arrancar estas
duas homologações, não vamos sossegar. Não vamos deixar este governo dormir. E
seria bom sairmos deste acampamento ao menos com estas [duas] homologações que,
para nós, são estratégicas”, afirmou Kretã.
As críticas do movimento
indígena à atual gestão federal ganharam peso já em novembro de 2023. Na época,
a Apib criticou o governo por ter aceitado, sem resistência, que o
Congresso Nacional derrubasse os vetos presidenciais ao Projeto de Lei nº
2.903, que estabeleceu o chamado Marco Temporal - tese jurídica segundo a qual
os indígenas só tem direito aos territórios que ocupavam em outubro de 1988,
quando a Constituição Federal foi promulgada.
No último dia 15, a
organização desaprovou a sugestão do presidente Lula para que o
governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, encontrasse interessados em
vender suas terras para acomodar parte dos indígenas que
permanecesse acampado à margem das rodovias que cortam o estado ou em
áreas em disputa. A proposta é que os governos federal e estadual sejam
“parceiros” na eventual aquisição de áreas a fim de "recuperar a dignidade
desse povo".
“Não é batendo papinho com
governador, não é comprando terra, que se vai se garantir o direito
constitucional dos povos indígenas aos seus territórios originários”, comentou
Kleber Karipuna, hoje. “O rito da demarcação não prevê conversinha com
governadores. Pelo contrário. O Decreto
nº 1.775 [estabelece] um prazo de 90 dias para que, uma vez publicados
os estudos [de delimitação territorial], qualquer cidadão ou entidade conteste
os resultados. Não há nenhuma outra fase, dentro do processo, de conversinha
com governador ou prefeito, como também não há [previsão] para a compra de
terras”.
Homologações
Consultado sobre as críticas,
o Ministério dos Povos Indígenas respondeu que, desde o início de 2023, o
governo federal já homologou dez terras indígenas – quase o mesmo número (11)
que nos dez anos anteriores. Segundo a pasta, o resultado é fruto da “forte
retomada de homologações” implementada pela atual gestão.
“É importante ressaltar que
esse é um trabalho complexo e que demanda estrutura e articulação para que as
ações de demarcação e homologação ocorram de maneira célere, com segurança para
todos”, acrescentou o ministério ao garantir que vem atuando junto a outras
instâncias para resolver “questões pontuais e problemáticas dos territórios”
reivindicados.
“O MPI está implementando
novos planos de gestão para ampliar as respostas às demandas dos povos
indígenas. Um passo importante foi dado na semana passada com a retomada do
Conselho Nacional de Política Indigenista, instalado pelo governo federal, e
que facilitará ainda mais o diálogo permanente e o acompanhamento cada vez mais
próximo das questões dos povos indígenas”, acrescentou o ministério.
Para Dinamam Tuxá,
também coordenador da Apib, os esforços elencados pela pasta ainda não são
suficientes.
"Elaboramos uma carta
prévia para os três Poderes [Executivo, Legislativo e Judiciário] na qual
apontamos 24 demandas emergenciais. O eixo central é a política de demarcação.
Estamos cobrando principalmente a homologação de terras", disse Dinamam,
lembrando que o governo assumiu o compromisso de demarcar 14 terras
indígenas nos 100 primeiros dias de gestão. De acordo com ele, os povos querem
ainda a finalização de 23 processos demarcatórios que estão aptos, reforço da
política de desintrusão das áreas homologadas e fortalecimento da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
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