Plenário do STF analisa se pena por injúria racial pode ser anulada por demora no julgamento do processo. Caso foi pautado após assassinato de homem negro em supermercado no RS.
Por Rosanne D'Agostino,
G1 —
Brasília
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson
Fachin declarou nesta quinta-feira (26) que "existe
racismo no Brasil" e que, na visão dele, o crime de
injúria racial deve ser equiparado ao de racismo e tornado imprescrítivel –
ou seja, passível de punição a qualquer tempo.
O plenário do STF analisa o caso de uma
idosa condenada em 2013 por agredir, com ofensas de cunho racial, a frentista
de um posto de gasolina. O julgamento foi interrompido em razão do horário e
deve ser retomado na próxima semana.
No único voto apresentado na sessão
desta quinta sobre o tema, Fachin classificou o racismo no Brasil como uma
"chaga infame, que marca a interface entre o ontem e o amanhã”.
A defesa afirma que o crime prescreveu, ou seja, que o
Estado não tem mais o direito de puní-la em razão da demora no processo. A
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
já decidiu que a injúria racial não prescreve, mas os advogados recorreram ao
STF.
O julgamento foi colocado na pauta da
sessão após o assassinato de João Alberto Freitas, homem negro espancado até a morte por
seguranças brancos em um supermercado da rede Carrefour em
Porto Alegre (RS).
Na semana seguinte à morte, o presidente Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, negaram a existência de racismo no Brasil. Segundo
Bolsonaro, "há tentativas de importar" para o Brasil
"tensões" raciais que são "alheias à nossa história."
Racismo
e injúria racial
De acordo com o Código Penal, injúria racial se
refere a ofensa à dignidade ou decoro utilizando palavra depreciativa referente
a raça e cor com a intenção de ofender a honra da vítima.
O crime de racismo, previsto em lei, é aplicado
quando a ofensa discriminatória é contra um grupo ou coletividade. Por exemplo,
impedir que negros tenham acesso a estabelecimento.
O racismo é inafiançável e imprescritível, conforme
o artigo 5º da Constituição.
O voto
de Fachin
Fachin defendeu que a Constituição “estabeleceu a
promoção do bem de todos, sem preconceitos quanto à origem, raça, sexo, cor
idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Segundo o ministro, há “um racismo estrutural que
marca as relações” e esses “valores negativos e desumanizantes ditam a maneira
de como estes sujeitos se apresentam no mundo e de como lhe são atribuídas
desvantagens”.
Para Fachin, homens e mulheres negros, com base no racismo,
são “considerados desprovidos de habilidades e competências para ocupar espaços
de poder e, ao mesmo tempo, tidos como natos em periculosidade, não apenas para
determinar o ato de alguém atravessar para o outro lado rua quando caminha ao
encontro de uma homem negro, mas até mesmo possibilitar o automático
reconhecimento de autoria de crimes”.
O ministro defendeu que a injúria racial é “a
produção e a circulação de estigmas raciais, sejam eles implícitos ou expressos
em atos odiosos ou de desprezo, engendradores de uma discriminação que é
sistemática, portanto, configuradora do racismo”.
Fachin argumentou que não é possível aceitar o
argumento de que o racismo se dirige contra grupo social, enquanto a injúria
afeta o indivíduo singularmente. “A distinção é uma operação impossível”,
disse. Isso porque, segundo o ministro, ambos se dirigem a grupos.
“Assim, o crime de injúria racial, porquanto
espécie do gênero racismo, é imprescritível”, acrescentou.
Bolsonaro
e Mourão negam racismo
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro
afirmou, em discurso na reunião de cúpula do G-20, que "há tentativas de
importar" para o Brasil "tensões" raciais que são "alheias
à nossa história”. A declaração foi feita em meio a protestos contra
o racismo após a morte de João Alberto.
"Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. O
que existem são homens bons e homens maus; e são as nossas escolhas e valores
que determinarão qual dos dois nós seremos. Aqueles que instigam o povo à
discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a
nação, mas contra nossa própria história", afirmou Bolsonaro.
Mourão classificou a morte como
"lamentável" e disse que o caso é de uma "segurança totalmente
despreparada". Questionado repetidas vezes pelos jornalistas, o vice-presidente negou
que o crime possa ter sido motivado por questões raciais.
"Lamentável, né? Lamentável isso
aí. Isso é lamentável. Em princípio, é segurança totalmente despreparada para a
atividade que ele tem que fazer [...] Para mim, no Brasil não existe racismo.
Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe
aqui", afirmou Mourão.
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