Médica e psicanalista alertam
sobre a adultização precoce que rouba a infância, fragiliza a autoestima e
expõe meninas a riscos físicos e emocionais graves
A adolescência não é um ensaio
para a vida adulta, mas um capítulo fundamental dela. Ainda assim, muitas
meninas são empurradas para papéis e expectativas que não correspondem à sua
idade, como se a aparência física bastasse para definir maturidade. Essa
adultização precoce, travestida de “liberdade” ou “empoderamento”, cobra um
preço alto, compromete o desenvolvimento emocional, fragiliza a autoestima e
expõe a riscos que deixam marcas para a vida inteira.
É o que garante a médica
ginecologista Fabiane Berta. “Sob o olhar da medicina ginecológica, é
impossível ignorar que o corpo adolescente está em pleno processo de
construção. Alterações hormonais, amadurecimento ósseo e neurológico acontecem
em ritmos diferentes, e forçar essa engrenagem pode ter consequências
duradouras, como distúrbios menstruais, impactos na fertilidade e dificuldades
na saúde sexual e reprodutiva. Mas o risco físico não é tudo. Quando a
sociedade sexualiza e cobra comportamentos adultos de meninas, mina sua
capacidade de compreender limites, consentimento e cuidado com elas mesmas”,
revela.
A psicanalista Ana Lisboa
acrescenta que os danos emocionais dessa imposição ultrapassam a fase da
adolescência. “Quando a infância é encurtada, a menina aprende cedo que precisa
corresponder às expectativas externas para ser aceita. Isso fragiliza sua autonomia
emocional, cria padrões de relacionamentos desequilibrados e compromete sua
percepção de valor pessoal. É um impacto silencioso que pode acompanhá-la por
toda a vida”, afirma. Ela destaca ainda que a criança aprende como se respeitar
observando os pais. “Se não vê cuidado e respeito, cresce sem essa referência
essencial, e isso é perigoso para o desenvolvimento saudável”, completa.
O assunto não é novo, mas
ganhou forma e peso na mídia e até diante do poder público após denúncias de um
youtuber, conhecido como Felca. Vídeos compartilhados nas redes sociais
concentram mais de 40 milhões de visualizações, reforçando a importância de abrir
a roda de conversa com os especialistas e dar nome e sobrenome à exploração e
exposição de menores de idade nas redes sociais, o que, inclusive, é crime.
Outro ponto importante é o
peso social. Uma menina “adultizada” é, muitas vezes, tratada como responsável
por interações e situações para as quais não tem preparo emocional. “Isso
coloca essa menina em desvantagem em relações afetivas, profissionais e até no
exercício de sua cidadania no futuro. É como plantar hoje a semente de uma
desigualdade que ela terá de carregar por décadas”, pontua a médica que também
é especialista em neurociências e comportamento.
Ana Lisboa reforça que
combater a adultização é mais do que um ato de proteção, é um investimento no
futuro. O barulho em torno da causa é simples e urgente. Proteger a infância e
a adolescência não é antiquado, obsoleto ou ultrapassado, é cuidado. A sociedade
precisa garantir que a mulher de amanhã possa olhar para trás e reconhecer que
cada fase foi respeitada e que, por isso, hoje ela tem a força, a saúde e a
consciência necessárias para decidir o próprio caminho. “Respeitar o tempo de
cada fase é oferecer a base para que essa menina se torne uma mulher segura,
saudável e consciente de suas escolhas. Não é sobre limitar, é sobre garantir
que ela cresça inteira”, conclui a psicanalista.
Postar um comentário