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Um estudo realizado por
pesquisadores da Universidade da Academia Chinesa de Ciências (Ucas) e do Met
Office, no Reino Unido, revelou que a variabilidade diária da precipitação
global cresceu 1,2% por década desde 1900. As análises mostraram que, atualmente,
mais de 75% das áreas terrestres sofreram com esse aumento. Os impactos foram
mais acentuados na Europa, Austrália e leste da América do Norte.
A variabilidade da
precipitação se refere à irregularidade temporal e na quantidade de chuva. Isso
resulta em períodos de seca mais prolongados e intensos e tempestades
torrenciais mais frequentes.
Zhang Wenxia, autor principal
do estudo, detalhou que a atmosfera mais quente e úmida devido às emissões de
gases de efeito estufa está provocando eventos de chuva mais fortes e
flutuações mais drásticas entre períodos secos e úmidos. Isso torna a previsão
e a gestão das águas pluviais cada vez mais complexas e desafiadoras.
Desmatamento
Marcelo Seluchi, especialista
do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden),
sublinha que a mudança do uso do solo é um problema. "Desmatar para
produzir modifica o solo e o balanço da umidade. Se troca floresta por pastagem,
diminui a evaporação do solo, que é muito importante para provocar chuva,
especialmente em países muito grandes, como o Brasil. Se é uma área costeira, o
oceano tem grande influência, mas, por exemplo, a região Centro-Oeste está
muito longe da água, então essas áreas dependem bastante da umidade evaporada
pelas florestas."
Além da variabilidade da
precipitação, a segurança hídrica global enfrenta novos desafios. Uma pesquisa
da Universidade de Estocolmo, publicada na Nature Water, destacou a importância
de considerar a origem da umidade que gera a chuva ao avaliar o risco de
escassez de água.
Tradicionalmente, a segurança
hídrica tem sido avaliada com base na quantidade de água armazenada em
aquíferos, lagos e rios. No entanto, o novo estudo revela que os riscos são
significativamente maiores ao considerar a umidade a favor do vento — aquela evaporada
de outras áreas, que contribui para a precipitação.
Demanda
Os cientistas estudaram 379
grandes áreas hídricas ao redor do mundo e descobriram que a demanda por água,
que chega a 32,9 mil quilômetros cúbicos por ano, está ainda mais ameaçada do
que se pensava. O risco de o recurso faltar é de quase 50% maior do que o
calculado usando métodos tradicionais que só consideram a área acima das
bacias.
A pesquisa também destaca a
influência da governança e das mudanças no uso da terra nas áreas a favor do
vento. Se o desmatamento e o desenvolvimento agrícola forem predominantes em
regiões onde a umidade evapora, a quantidade de precipitação pode diminuir,
aumentando os riscos à segurança hídrica.
Conforme José Marín, doutor
pela Universidade de Estocolmo e principal autor do estudo, os impactos das
mudanças no uso da terra na disponibilidade de água em áreas a jusante dependem
das transições de uso da terra e mudanças na evaporação. "Por exemplo, a
substituição de florestas por pastagens reduz tanto a evaporação quanto a
disponibilidade de água em áreas desmatadas e a favor do vento,
respectivamente. Por outro lado, a conversão de terra seca em terras de cultivo
irrigadas aumenta a evaporação e a disponibilidade de água", afirmou,
ao Correio.
Integração
O artigo reforça ainda a
interdependência entre países e a importância de uma gestão integrada dos
recursos. Como exemplo, existe a bacia do Rio Congo, na África, que enfrenta
riscos consideráveis devido à falta de regulamentação ambiental e desmatamento
em países vizinhos.
Além disso, as secas
prolongadas são consideradas um grande desafio. Ao contrário de desastres
naturais repentinos, como terremotos ou furacões, elas se desenvolvem
lentamente, o que as torna mais difíceis de gerenciar.
A conscientização global sobre
o problema tem aumentado, em parte devido ao acesso à informação pela internet.
No entanto, conforme aponta um estudo recente, divulgado na revista Clean
Water, há uma grande disparidade na capacidade de resposta entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Nações com alta renda per capita têm mais
recursos para gerenciar os impactos da seca, enquanto aqueles com menos
infraestrutura enfrentam maiores dificuldades.
Ao Correio, Jonghun Kam,
coautor do estudo e cientista da Universidade de Ciência e Tecnologia de
Pohang, na Coreia do Sul, ressaltou que muitas nações não estão prontas para
uma seca severa. "Esses países precisam de ajudas e doações
internacionais. As descobertas do nosso estudo sobre análise multidimensional
da conscientização global sobre a seca dão ideias sobre como construir um
roteiro eficiente e eficaz para ajudas e doações internacionais para os países
que têm lutado contra secas."
Estudos mostram que os padrões
pluviométricos estão se alterando no mundo todo. Qual a situação do Brasil
nesse cenário?
Diversos estudos têm
demonstrado que o aumento da temperatura média do planeta causa uma
intensificação do ciclo hidrológico, o que poderá ocasionar mudanças nos
regimes das chuvas, como o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos
extremos, alterando fortemente a disponibilidade hídrica de uma região e a
qualidade de vida da população. A análise da tendência de séries históricas de
precipitação pluviométrica é uma das maneiras de se inferir a ocorrência de
mudança climática brasileira. Já estamos convivendo com extremos climáticos.
Houve três enchentes no Rio Grande do Sul em 18 meses, vemos agora regiões com
mais de 100 dias sem chuvas, com queimadas, fumaça tóxica e devastação de
territórios que equivalem ao tamanho de Portugal incinerado em semanas.
É possível reverter a situação
atual?
É possível e necessário, para
mantermos nossa existência da forma que conhecemos hoje. A restauração
ecológica inclui mecanismos como a recuperação acelerada de áreas e biomas
degradados e a transição energética, que reduzirá pela metade as emissões de gases
de efeito estufa. Temos como exemplo Brasília, que está há mais de 130 dias sem
chuvas e teve episódios de 7% de umidade do ar, pior que o deserto do Saara.
Essa conjuntura mostra que temos que agir, e isso não deve ser protelado, pois
pontos de não retorno de biomas e regiões podem nos colocar em circunstâncias
ainda piores. Portanto, devemos associar novas políticas públicas e ações do
setor privado e da sociedade para agir em prol de um objetivo principal: manter
nossa existência e a dos biomas.
A população compreende a crise
hídrica iminente?
Infelizmente, acredito que
não. Sou conselheiro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e
cientista em riscos e emergências ambientais. O que assisto é um conjunto de
desinformações e pessoas acreditarem que estamos com a mesma abundância de água
que o Brasil tinha 30 anos atrás. Nesse curto período, eliminamos 7,5% de todos
nossos recursos hídricos — isso é o equivalente ao que a França tem de água. As
projeções não são boas, o que significará o encarecimento da água, de alimentos
e de todas as atividades que demandam esse elemento central na vida humana.
Fonte: Cooreio Braziliente
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