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De forma assertiva, o Governo
Federal, através do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, acaba de
editar o Decreto nº 11. 841/23 que regulamenta a competência para atuação das
Guardas Municipais através do patrulhamento preventivo, em cooperação com os
órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Comparativamente, os avanços legislativos (e normativos) na segurança pública
têm ocorrido bem mais rápido para os municípios do que para as unidades da
federação. Enquanto a Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares levou longos 22 anos para ser aprovada e sancionada, a Lei
13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais) já está prestes a completar
10 anos de vigência. No entanto, alguns pontos desse estatuto ainda careciam da
devida regulamentação. E é essa novidade que acaba de sair do forno.
O avanço na produção
legislativa e normativa referente à segurança pública no âmbito municipal
encontra respaldo na constatação de que é na cidade (corporificação do
município) que são registrados os maiores volumes de delitos criminais,
demandando ao poder público uma maior busca por soluções relacionadas ao
município.
Uma leitura desatenta do
recém-editado Decreto nº 11. 841/23 pode levar à precipitada interpretação de
que o patrulhamento preventivo, enquanto competência prevista no art. 5º da Lei
13.022/14, só poderá ser exercido pelas corporações municipais de segurança no
caso de operações conjuntas bem delimitadas e com equipes de serviço compostas
de forma mista por policiais e guardas municipais. O interesse público perderia
muito se a compreensão sobre integração em segurança pública se restringisse
unicamente a essa interpretação.
Observemos a analogia feita em
relação à atuação integrada da Força Nacional de Segurança Pública com os
órgãos de segurança pública em diversos Estados brasileiros. Via de regra, as
portarias que autorizam seu emprego nos Estados, como é o caso da Portaria MJSP
Nº 546, de 30 de novembro de 2023, que prorroga o emprego da Força Nacional de
Segurança Pública em apoio ao Estado de Roraima, autoriza que a mesma seja
empregada “em apoio aos órgãos de segurança pública do Estado, nas atividades e
nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio”. No entanto, a atuação ocorre de forma
descentralizada e com certo nível de autonomia, através de equipes
policiais compostas unicamente por policiais da Força Nacional de Segurança
Pública, em cooperação com as forças de segurança locais. Nesse caso, a
integração consiste na divisão da responsabilidade pelo patrulhamento
ostensivo em uma determinada área de policiamento, em absoluto
respeito ao pacto federativo e às competências originárias dos órgãos de
segurança pública. Assim, qual seria a dificuldade de se implementar uma
governança em segurança pública que legitime uma integração mais
abrangente, respeitando-se as atribuições de cada órgão, e primando pela
efetividade e eficácia da manutenção da tranquilidade e da segurança
pública no âmbito dos municípios?
A própria Lei 13.675/18, que
criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e instituiu o
Sistema Único de Segurança Pública (Susp), em seu art. 10 enumera as
possibilidades pelas quais os órgãos integrantes do Susp poderão efetivar a
integração de sua ações:
Art. 10.A integração e a
coordenação dos órgãos integrantes do Susp dar-se-ão nos limites das
respectivas competências, por meio de:
I – operações com planejamento
e execução integrados;
II – estratégias comuns para
atuação na prevenção e no controle qualificado de infrações penais;
III – aceitação mútua de
registro de ocorrência policial;
IV – compartilhamento de
informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin);
V – intercâmbio de
conhecimentos técnicos e científicos;
VI – integração das
informações e dos dados de segurança pública por meio do Sinesp. (BRASIL, 2018)
Precedida pela pactuação entre
o município e demais entes federativos, com base no dispositivo legal
acima mencionado, a integração entre os órgãos de segurança pública da União,
dos Estados e do Distrito Federal, além do tradicional formato de operações
ostensivas integradas, pode ocorrer das seguintes formas: (i) utilização
integrada de centrais de despachos de ocorrências, onde também pode ser
compartilhado o monitoramento de câmeras de segurança, estrategicamente
posicionadas nos perímetros urbanos; (ii) compartilhamento de informações para
a produção de conhecimento que ensejará no planejamento para ações de
integração entre a preservação da ordem pública, executada com exclusividade
constitucional pelas Polícias Militares, e o patrulhamento preventivo,
realizado pelas guardas civis Municipais; (iii) realização de programas de
capacitações continuadas cujos beneficiários sejam os componentes das forças de
segurança signatárias do acordo de cooperação técnica; (iv) participação
conjunta nos Conselhos de Segurança, contribuindo para a elaboração e
fiscalização das políticas públicas da área; (v) compartilhamento de
plataformas tecnológicas para os registros unificados de ocorrência policial.
O referido decreto não fez
menção explícita à destinação constitucional das guardas municipais (art. 144,
§8º, da CF/1988) relativa à atuação na proteção de bens, serviços e instalações
do município, pois o dispositivo constitucional em questão já
fora anteriormente disciplinado pela Lei 13.022/14 (Estatuto Geral das
Guardas Municipais) que, por sua vez, passa a ser regulamentada, no que diz
respeito às competências das guardas municipais, pelo Decreto nº 11.
841/23.
Se ainda resta alguma dúvida
sobre a legitimidade de atuação dos órgãos integrantes do Susp em
espaços que, originalmente, não sejam de sua competência, a própria lei de
instituição do Susp (Lei 13.675/18) oferece a solução para esse dilema, através
do convencionamento da atividade integrada:
Art. 16. Os órgãos integrantes
do Susp poderão atuar em vias urbanas, rodovias, terminais rodoviários,
ferrovias e hidrovias federais, estaduais, distrital ou municipais, portos e
aeroportos, no âmbito das respectivas competências, em efetiva integração com o
órgão cujo local de atuação esteja sob sua circunscrição, ressalvado o sigilo
das investigações policiais. (BRASIL, 2018)
Desse modo, não resta dúvidas
de que uma rodovia federal ou uma rodovia estadual, dentro do perímetro urbano
da cidade (portanto, compondo a configuração urbana daquele
município) possa receber o patrulhamento preventivo legitimamente
executado pelas guardas municipais, mediante a celebração do respectivo termo
de cooperação técnica, elaborado nos termos do art. 5º da Lei 13.022/14 e do
Decreto nº 11. 841/23.
Contudo, o Decreto nº 11.
841/23 apresenta um ponto controverso. De acordo com a norma, as guardas
municipais poderão adotar dois procedimentos distintos durante o patrulhamento
preventivo: (i) nas chamadas ocorrências emergenciais “cujas características
exijam a atuação célere e imediata dos órgãos de segurança pública” (§1º, do
art. 3º) o decreto determina que as guardas municipais realizem os
procedimentos preliminares iniciais (não definindo quais sejam esses
procedimentos), acionando os órgãos de segurança pública cuja atuação seja
necessária e prestando apoio à continuidade do atendimento, enquanto
que (ii) nas ocorrências onde se constate a presença de ilícito penal
(art. 5º), a norma determina três procedimentos a serem adotados pelos agentes
municipais de segurança: realização da prisão em flagrante dos envolvidos,
apresentação do preso e a correspondente notificação circunstanciada da
ocorrência à polícia judiciária competente para a apuração do delito e
contribuição para a preservação do local do crime. Assim sendo, na
hipótese de um incêndio criminoso onde esteja presente o autor do
crime (portanto, uma ocorrência emergencial gerada por um ilícito penal),
ou de uma obstrução ilegal de via pública onde os manifestantes realizem a
obstrução utilizando-se de grave ameaça aos usuários da rodovia (outra
ocorrência emergencial com característica de ilícitos penais), a equipe da
guarda municipal que primeiro se deparar com uma dessas duas ocorrências deverá
realizar quais das ações previstas no do Decreto nº 11.
841/23? O acionamento de outros órgãos de segurança pública (§2º do
art. 3º), ou realizar a prisão em flagrante, com a condução do(s) preso(s) à
polícia judiciária (art. 5º, I e II)? Apesar de controverso, essa ponto de
questionamento pode facilmente ser elucidado durante a elaboração dos
respectivos Termos de Cooperação Técnica celebrados entre os entes federativos,
onde deverão constar, de forma pormenorizada, todos os procedimentos
a serem adotados pelos órgãos de segurança nas diversas possibilidades de ações
isolada ou em conjunto.
De qualquer forma, reitera-se
a importância da publicação dessa última regulamentação que se mostrava
pendente para, definitivamente, legitimar o patrulhamento preventivo das
guardas municipais como importante ferramenta para a redução da violência
e da criminalidade no país.
Fonte: Betano
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