As verdades que nos salvam sempre foram anunciadas
por uma minoria...e rejeitadas pela maioria."
Escorraçado
pela ampulheta do tempo, este ano
trágico de 2020 deixou pairando no ar uma pergunta enigmática que, como a da voraz esfinge de Gizé, precisa
ser respondida. O que ficou como legado, para além dos quase duzentos mil mortos, da
dor , do sofrimento, da solidão , da apatia e sociopatia governamental ? Há
lições a serem decodificadas de um período tão trágico e doloroso ? Com tanto caldo cítrico escorrendo pelos rios
da vida, tem como se preparar um suco ? Após as grandes tragédias, alguém já
frisou, há dois caminhos: alguns abrem a porta do aprendizado e
aperfeiçoamento, outros o da barbárie.
Os que resolveram perlustrar a primeira porta
observaram que muitas lições podem ser depreendidas. A primeira delas é que a
Ciência é a única tábua possível de salvação em meio à correnteza. Os milagres
a vista e a prestação, o charlatanismo, o empirismo desenfreado, o
negacionismo, as teorias conspiratórias, os remédios miraculosos tornaram-se os
principais aliados da Velha da Foiçona.
A
segunda grande constatação foi a da solidariedade que aflorou em fragmentos
importantes da população e que nos remeteu novamente ao Homem Cordial de Sérgio
Buarque. Claro que pulularam solidariedades de Selfies , típicas de uma elite
que sempre optou pela caridade promocional à
justiça social. Mas, em momento tão sofrido, até esta teve o seu valor.
Encheu-nos os olhos, principalmente, a solidariedade dos pequenos, aquela dos
movimentos dos morros e favelas, das ONGS e aquela dos moradores de rua que
tantas e tantas vezes foram vistos dividindo o seu prato com os companheiros de
infortúnio e até com seus animais de estimação.
Um outro aprendizado viu-se o nos profissionais de
Saúde que enfrentaram a pandemia com uma bravura jamais vista. Viram-se
totalmente desassistidos pela incúria do governo federal que tinham , na sua
grande maioria, apoiado eleitoralmente e, além do medo, tiveram que conviver com a irresponsabilidade
na falta de equipamentos de proteção, de compra de insumos e da surdez para com
os ditames da Ciência. Assalariados, mal
remunerados, na sua grande maioria, entregaram a força do seu trabalho e ,
muitas vezes, a sua vida e a de seus familiares, para minorar o sofrimento dos
seu pares.
E, mais uma vez, na trágica História brasileira, são
aos pequenos, aos pobres, aos
desafortunados , aos invisíveis, aos Zé Ninguéns a quem devemos a possibilidade
de todo o país não colapsar. Aos trabalhadores dos serviços essenciais:
entregadores, garis, balconistas, caminhoneiros, frentistas, motoristas de
táxi, ônibus e aplicativos, vendedores de rua... Enquanto as elites estavam em seus iates,
apartamentos de luxo e nas baladas clandestinas, eles continuam, sob todo o
risco, fazendo com que o gigante adormecido não entre em coma.
2021 chega com laivos de esperança e bom augúrios.
Infelizmente, não viramos a página da história, como fazemos com as dos livros.
A tragédia continua em outros atos e não sabemos quantos ainda restam. Montamos
uma tempestade perfeita : Juntamos uma pandemia inevitável com a
insensibilidade negacionista de um governo incapaz de chefiar a grande batalha
contra nosso inimigo comum. Cloroquina ao invés de vacina para combater uma
gripezinha que só atinge os maricas e os que não são atletas. Afinal todo mundo
morre, não sou coveiro, né ? E daí ?
Que venha 2021 e que aprendamos junto a última lição
do ano da peste de 2020. As dez pragas do Egito dependeram, sim, da insensibilidade
do Faraó escolhido dinasticamente por critérios familiares e monárquicos. Nossa
grande catástrofe é que, no Brasil,
fomos nós mesmo que escolhemos o Faraó, lhe pusemos no trono e o chamamos de
mito.
Crato, 01 /01/2021
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