Projeto FIV Ceará gera animais que produzem 40 litros de leite por dia e
agregam até 30% na renda do produtor
Em 2024, o produtor rural de
Jaguaribe, Antônio Bitu, de 44 anos, decidiu apostar em uma oportunidade de
aumentar a renda da fazenda. O profissional conheceu o Projeto FIV Ceará, que
busca desenvolver gado leiteiro geneticamente superior, com produção de leite
até 566% maior (ou 6,6 vezes), passando de 6 para 40 litros por dia.
Ele integra um grupo de 137
produtores atendidos, com 777 prenhezes (gravidezes) confirmadas, 325 animais
já nascidos e uma taxa de concepção bem-sucedida de 40%.
Isso significa que, de 100
animais que recebem o embrião no Estado, 40 seguem com gestações prósperas. O
número está acima da média comum, que é de 33%.
Na prática, são produzidos
embriões geneticamente superiores a partir de células reprodutivas de animais
pré-selecionados, sendo o material posteriormente inseminado em fêmeas
receptoras.
Hoje, o sistema é o maior
programa de transferência de embrião do Nordeste, segundo a Federação da
Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec).
A expectativa é melhorar a
qualidade de vida de pequenos e médios produtores e transformar o Ceará em uma
grande bacia leiteira. O programa começou em 2023, por meio de iniciativas
piloto, e estreou oficialmente em 2024.
Atualmente, são contempladas
24 cidades cearenses, abarcando todos os municípios que compõem as bacias
leiteiras em regiões como o Sertão Central, o Vale do Jaguaribe, o Centro-sul e
o Cariri. A iniciativa segue até 2026, com planos de prorrogação.
As informações são do
coordenador do Projeto FIV Ceará, Josias Lima, da Faec. A instituição toca o
projeto em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas do Ceará (Sebrae/CE).
Atualmente, Antônio, que conheceu o projeto por meio do
Sindicato Rural de Jaguaribe, já têm sete bezerras nascidas e planeja
participar novamente.
"Com o projeto FIV você
acelera o melhoramento genético em várias gerações. A gente ganha muito tempo.
Vamos ter vacas que vão produzir mais leite e vão estar comendo a mesma coisa
que uma vaca comum, então a gente vai conseguir produzir mais com a mesma
quantidade de animais. Isso é muito bom, ocasionando maior renda, maior
lucratividade e maior qualidade de vida para nós produtores”
Antônio Bitu
Produtor rural de Jaguaribe
Renda do produtor pode
aumentar em até 30% com Projeto FIV Ceará
Segundo Josias, a média diária
de produtividade leiteira do Estado é de seis litros por animal. Em paralelo,
uma fêmea gerada pelo Projeto FIV Ceará consegue produzir de 35 a 40 litros de
leite por dia.
Isso significa que um gado
geneticamente superior rende, diariamente, cerca de 566% a mais que um gado
comum.
No bolso do produtor também há
mudança: considerando todo o sistema de produção e os custos envolvidos, esse
tipo de gado consegue agregar de 20 a 30% na renda do criador, de acordo com o
especialista.
Além disso, a técnica de
transferência de embriões permite avançar de cinco a sete gerações, resultando
em um rebanho de genética superior em bem menos tempo quando comparado às
práticas tradicionais.
“Trata-se de uma tecnologia
para o melhoramento genético do rebanho num curto espaço de tempo, renovando o
plantel de animais do produtor, o que irá proporcionar maior produtividade com
animais de alta performance, gerando maior volume de produção, leite de
qualidade e, consequentemente, aumento na renda do produtor”
Germano Parente
Gestor do Agronegócio do
Sebrae/CE
Projeto FIV Ceará deve chegar
a 2.700 prenhezes
A meta do projeto é chegar
a 2.700 prenhezes. Para Germano, a adesão dos produtores à
iniciativa tem sido excelente.
“As expectativas são bem
positivas, visto que os produtores têm percebido a importância de buscar novas
tecnologias”, alega.
O maior interesse dos
produtores pela adoção de tecnologias antes restritas a grandes produtores
também é observado pelos pesquisadores do Laboratório de Análise de Dados em
Economia Agrícola (Labdea) da Universide Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo
Miro e Carlos Alberto Brasil.
Para os especialistas, o
movimento democratiza o acesso às ferramentas e pode gerar impactos estruturais
nos próximos anos.
Como posso participar do
Projeto FIV Ceará?
Para participar, os produtores
devem procurar o Sindicato Rural do Sistema Faec/Senar ou o Escritório Regional
do Sebrae mais próximo. O coordenador do projeto orienta que os interessados
devem apresentar uma estrutura mínima, como um brete de contenção ou baia de
inseminação.
Além disso, é necessário
fornecer, no mínimo, 10 fêmeas para receber os embriões.
Ao fim do processo, o produtor
deve desembolsar R$ 480,50 para cada prenhez confirmada, sendo possível
parcelar o pagamento em até três vezes no cartão de crédito. Na visão de
Josias, o valor está abaixo do que é praticado no mercado.
“Como é uma ação subsidiada
pela Faec e pelo Sebrae, (o valor) é praticamente somente o custo de elaborar o
embrião. O valor de mercado é em torno de R$ 2.000, R$ 2.500, até R$ 3.000”,
indica.
Projeto FIV Ceará em números:
137
produtores atendidos
+ 2.800
animais protocolados
(protocolo de sincronização hormonal)
777
prenhezes confirmadas
325
animais nascidos
40%
de sucesso nas concepções
(acima da média)
24
cidades
Entenda o passo a passo do
Projeto FIV Ceará:
A seleção dos produtores
participantes é feita pelos Sindicatos dos Produtores Rurais e os Escritórios
Regionais do Sebrae;
A demanda é, então, enviada
para a Faec, que dá início ao processo de seleção das fêmeas, hormonização do
animal e geração do embrião em laboratório contratado;
Para a formação do embrião
geneticamente superior, é feita a coleta dos óocitos (células reprodutivas
femininas) de vacas com altos níveis de produtividade;
O material coletado é levado a
laboratório, onde é inseminado com o sêmen de touros também geneticamente
superiores. As células reprodutivas são retiradas de centrais convencionadas,
como a Alta Genetics, a ABS Global e o Grupo Cialne;
O resultado dessa inseminação
é cultivado em laboratório por sete dias;
Após sete dias, o material é
transportado até as fazendas onde estarão as fêmeas receptoras;
O protocolo hormonal realizado
nas fêmeas dura 18 dias. No décimo oitavo dia, elas recebem a implantação do
embrião geneticamente superior;
Após a implantação, são
realizadas duas ultrassons: uma após 30 dias e outra ao final de 60 dias. O
objetivo é confirmar a prenhez da fêmea;
Depois do nascimento do animal
geneticamente superior, o gado leva em torno de três anos para começar a
produzir leite.
Resultados do Projeto FIV
Ceará são esperados para 2027
José Antunes Mota, presidente
do Sindicato da Indústria de Lacticínios e Produtos Derivados do Estado do
Ceará (Sindlacticínios), projeta que os primeiros sinais do aumento na produção
leiteira cearense poderão ser sentidos por volta de 2027, já que os animais
levam cerca de três anos para atingir a fase produtiva.
No entanto, na perspectiva de
Antunes, é difícil estabelecer uma previsão mais concreta para o mercado de
laticínios.
“É imprevisível, é um mercado
muito flutuante. Eu sei que vai ter mais leite. E tendo mais, com certeza vai
baixar o preço. O que seria ideal para o Ceará seria outra empresa grande que
consumisse o produto, e a gente mandar esse produto pra fora do Estado”,
sugere.
Na visão de Josias, o Projeto
FIV Ceará é uma oportunidade de conquistar o mercado consumidor já existente na
Capital.
“Hoje, 50% dos produtos
lácteos consumidos em Fortaleza não são produzidos no Ceará. O que precisamos
fazer é aumentar a nossa produtividade e gerar segurança de produtividade no
campo, até como forma de evitar o êxodo rural e firmar o homem no campo, com
perspectiva de crescimento”, realça.
Ricardo Silveira, prefeito de
Quixadá, uma das cidades contempladas pelo Projeto FIV Ceará, também
compartilha uma visão positiva sobre o programa.
“Isso é fazer com que a vida
do homem do campo possa melhorar. Não tenho dúvida que, daqui a alguns anos,
nós teremos uma base leiteira muito mais forte”
Ricardo Silveira
Prefeito de Quixadá
O preço do leite vai baixar?
Para os pesquisadores do
Labdea, o setor de laticínios ainda enfrenta limitações estruturais no Ceará.
Os dois apontam que o Estado ainda depende da entrada de leite e derivados de
outras regiões e tem uma base produtiva fortemente sustentada por propriedades
familiares, geralmente com baixa escala, limitada adoção de tecnologia e forte
exposição a riscos climáticos.
Outro ponto de atenção no
cenário é que poucas indústrias dominam a captação, o que
influencia tanto o preço pago ao produtor quanto o pago pelo consumidor final.
Assim, a cadeia produtiva
ainda precisa de políticas de apoio tecnológico, crédito, assistência
técnica e fortalecimento da agroindústria local para se tornar mais competitiva
e reduzir a dependência de importações interestaduais.
Frente a esse panorama, Vitor
Hugo e Carlos Alberto acreditam que, a longo prazo, há chance de que
essa expansão de oferta se traduza em preços mais competitivos para o
consumidor final, mas é necessário que o setor de processamento também se
fortaleça no Estado.
“O valor do leite no varejo é
influenciado por múltiplos fatores, como custos de logística, energia,
embalagens e o grau de concentração da indústria de beneficiamento. O principal
impacto para o consumidor poderá vir da maior oferta e da redução da instabilidade
sazonal na produção. No Ceará, há uma forte influência da estiagem sobre a
oferta de leite, o que gera oscilações de preços ao longo do ano. Com animais
mais produtivos e maior eficiência alimentar, espera-se suavizar essa variação,
garantindo mais regularidade no abastecimento”
Vitor Hugo e Carlos Alberto
Pesquisadores do Labdea
Ceará é pioneiro na
institucionalização do melhoramento genético de gado leiteiro
A técnica de fertilização
in vitro na pecuária não é novidade no País. Em Alagoas e Pernambuco,
por exemplo, a produtividade leiteira é superior à cearense, relata Josias. No
entanto, a estratégia ocorre somente entre os produtores, de forma particular,
sem uma intermediação institucional.
“Nós estamos tendo um
pioneirismo de ação institucional para esse público-alvo. Em Minas Gerais e
Goiás já ocorreu, mas eles não deram tanta sequência como tem sido aqui”,
aponta.
Tira-dúvidas:
Como é possível garantir que o
embrião será fêmea?
No Projeto FIV Ceará, é
utilizado sêmen sexado. Isso significa que o material foi analisado em
laboratório, sendo selecionado apenas os espermatozóides com carga genética
feminina. A taxa de certeza para esse processo é de cerca de 90%.
O que acontece se a vaca não
emprenhar?
Se a vaca não emprenhar ao
final dos 60 dias, o animal volta à rotina de reprodução já executada na
fazenda. Não é cobrado nenhum valor do produtor.
O processo gera algum tipo de
mudança no leite?
Não, o processo de
transferência de embriões não ocasiona nenhum tipo de mudança no sabor ou
textura do leite produzido.
Por que às vezes o embrião não
vinga?
Para existir uma prenhez de
sucesso, é necessário haver uma soma de casualidades, sejam hormonais,
temperamentais ou ambientais. É natural que nem todas as tentativas de prenhez
sejam exitosas.
As cidades que participam do
projeto são:
Morada Nova
Ibicuitinga
Quixadá
Quixeramobim
Ibaretama
Piquet Carneiro
Jaguaribe
Jaguaretama
Solonópole
Independência
Jucás
Iguatu
Cariús
Brejo Santo
Porteiras
Iracema
Ipu
Saboeiro
Várzea Alegre
Acopiara
Cedro
Senador Pompeu
Milhã
Lavras da Mangabeira.
Fonte: Leticia do Vale - DN
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