Prefeito foragido atendeu até
pedido para pagar mensalidade atrasada da escola do filho de um eleitor. Para a
PF, condutas deixam evidentes a prática recorrente de compra de voto.
Arremessado em um espelho
d’água para ser danificado, o celular do prefeito eleito — e foragido — de
Choró, Bebeto Queiroz (PSB), não só foi recuperado pela Polícia Federal (PF)
como virou peça central para desvendar um possível esquema criminoso de desvio
de emendas parlamentares e compra de votos no Ceará. Para os investigadores, as
conversas mantidas entre o político, os aliados e alguns eleitores não deixam
dúvidas de que o prefeito cometeu abuso de poder econômico por meio da compra
de votos.
Nas mensagens, a PF
identificou dezenas de transferências de recursos financeiros de Bebeto e de
aliados para eleitores e candidatos. Em das conversas, o prefeito conversa com
um tenente da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e pede ao servidor público que
oriente um padre a pedir voto para um aliado.
O Diário do Nordeste teve
acesso ao relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO),
feito a partir de uma investigação da Polícia Federal, que esmiúça as
evidências colhidas até agora sobre o esquema criminoso. As informações do
documento estão sendo publicadas em uma série de reportagens desde
segunda-feira (13). O inquérito foi aberto em setembro do ano passado.
“DIGA AÍ AO PADRE”
Conforme revelou o Diário do
Nordeste na última terça-feira (14), o policial rodoviário teria ajudado Bebeto
Queiroz a viabilizar o esquema criminoso de compra de votos. Em um dos diálogos
obtidos pela PF, o tenente diz ao prefeito que estará na coordenação da região
do Sertão Central de 24 de setembro a 7 de outubro de 2024 (período que
englobava as eleições) e que afastou o “PM” dos plantões na região.
Os registros de conversa entre
os dois vão de 3 a 27 de setembro. Ao longo dos dias, o tenente se refere a
Bebeto como “grande líder” e sempre reforça que está à disposição do político.
Em 22 de setembro, Bebeto
agradece ao agente “por todo apoio” e acrescenta: “Até o dia 6... a eleição é
nossa”. Três dias depois, o político diz que deu o nome do tenente a um
“parceiro” de Orós. “Ele passa muito nessa cancelazinha de Quixadá aí, se
precisar de alguma coisa dá o teu apoio aí, gente muito boa”.
Em seguida, ele manda um
áudio: “Diga ao Padre aí que comece a pedir voto pro nosso amarelinho Jardel”,
diz em referência ao candidato vitorioso em Canindé. A conversa entre os dois
tem ainda o tenente enviando o currículo de um homem para Bebeto, sugerindo a
contratação como motorista de ambulância.
Diante das conversas, a PF
aponta que a relação entre os dois ocorreu “com troca perigosa e suspeita de
favores”.
‘POSSÍVEL COMPRA DE VOTOS’
Em outra conversa obtida pela
PF, Bebeto troca mensagens com um político aliado na cidade de Morada Nova. O
homem pede “20 contos” para uma “operação” no dia seguinte em Aruaru, distrito
da cidade. O político revela uma preocupação com o resultado de pesquisas, que
mostram uma queda de apoio na região. “Nós vamos dar um arrocho neles, me ajude
naquilo que eu lhe pedi, ajude seu amigo”, disse o aliado. Em resposta, Bebeto
pede paciência. “Eu tenho mais de 100 mil de despesa hoje”, completou o
prefeito atualmente foragido.
Em alguns diálogos, Bebeto
conversa diretamente com eleitores, que pedem dinheiro. Um deles, há cinco dias
das eleições, faz apelo por uma “ajuda” para quitar a escola do filho. “Estava
com vergonha de mandar mensagem... Porque o nosso salário aqui está atrasado e
a escola do meu menino está atrasada 2 meses… Aí eu ia pedir uma ajuda ao
senhor pra mim poder quitar a escola dele (...) a família tudinho vota no
senhor (...) quando é assim em época de política, nós se ajunta todo mundo pra
votar num candidato só, entendeu”, pediu o eleitor.
Logo em seguida, Bebeto
Queiroz enviou o comprovante de uma transferência de R$ 300.
Em outra conversa, um homem
pede “uma assistenciazinha” ao prefeito. Neste caso, Bebeto orienta que o
eleitor procure sua irmã, Cleidiane de Queiroz Pereira, que também é
investigada. “Ela vai ver o que pode fazer e lhe dá uma forcinha”, conclui.
ENTENDA A INVESTIGAÇÃO
A investigação que pesa contra
Bebeto Queiroz partiu de uma denúncia feita pela agora ex-prefeita de Canindé,
Maria do Rosário Araújo Pedrosa Ximenes (Republicanos). Em depoimento ao
Ministério Público do Ceará (MPCE) ainda durante a campanha eleitoral do ano
passado, ela disse que, além de Bebeto, a irmã dele, Cleidiane de Queiroz
Pereira, e o vigia e suposto empresário Maurício Gomes integravam uma rede
criminosa que operava por meio de ameaças a adversários e ofertas de
"vantagens materiais e financeiras a eleitores em troca de votos".
Segundo ela, o grupo agia
"no sentido de oferecer dinheiro — oriundo de atividades ilícitas dado o
envolvimento em licitações em vários municípios deste Estado do Ceará através
de empresas constituídas em nome de 'laranjas' — para políticos com atuação em
Canindé/CE, dentre os quais vereadores e o candidato ao cargo de prefeito
'Professor Jardel', para que assim pudessem manejar recursos em meio à campanha
eleitoral além dos limites de gastos estabelecidos e fixado para os candidatos
no pleito de 2024".
A PF agora apura se o esquema
atingiu também outras cidades do Estado. Segundo Maria do Rosário, que
denunciou o esquema, a atuação do grupo chegou a 51 municípios e teria
movimentado um montante de até R$ 58 milhões para fins ilícitos.
As investigações apontam ainda
que o deputado federal Júnior Mano (PSB) teria papel central no esquema. Por
conta da suspeita de envolvimento do político, que tem foro privilegiado, o
caso foi alçado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e distribuído para o gabinete
do ministro Gilmar Mendes.
De acordo com a denunciante, a
base do esquema era o repasse de emendas parlamentares do deputado Júnior Mano
para municípios cearenses. Nas Prefeituras, os valores eram desviados para
empresas comandadas por “laranjas” e usados para comprar votos.
PREFEITO FORAGIDO
Bebeto Queiroz foi alvo da
operação Mercato Clauso, da PF, no
último dia 4 de outubro. Em 22 de novembro, foi a vez do Ministério Público do
Ceará (MPCE) sair às ruas para investigar suspeitas de irregularidades em
contratos feitos pela Prefeitura de Choró. À época, o prefeito eleito Bebeto
Queiroz foi considerado foragido pela Justiça, mas se entregou à Polícia Civil
no dia seguinte. Ele chegou a ficar 10 dias detido, mas foi liberado.
No entanto, no dia 5 de
dezembro, o político voltou a ser alvo da operação Vis Occulta, um
desdobramento da operação Mercato Clauso. Bebeto não foi localizado pelos
agentes federais, portanto, é considerado foragido.
DEFESA
Em nota ao Diário do Nordeste,
a assessoria de comunicação do deputado Júnior Mano disse que a investigação
conduzida pela PF tramita sob segredo de justiça, por isso não pode se
manifestar sobre o caso.
“O deputado federal Júnior
Mano reafirma seu compromisso com a legalidade, estando à disposição das
autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos. A
defesa confia que, ao término da investigação, sua inocência será plenamente
reconhecida e informa que todas as manifestações serão realizadas
exclusivamente nos autos do processo”, concluiu.
Também em nota, a Prefeitura
de Mombaça disse que o contrato com a MK Serviços, Construções e Transporte
Escolar foi realizado “de maneira totalmente transparente e em estrita
conformidade com a legislação vigente, especificamente a Lei Federal nº 14.133,
através de um procedimento licitatório na modalidade de Concorrência Pública
Eletrônica”. “Não houve qualquer indício de fraude ou outro ilícito”,
acrescentou a gestão municipal.
O município ainda reforçou que
a obra contratada com a empresa começou após o período eleitoral. “Apesar da
formalização do contrato, não houve qualquer tipo de pagamento à empresa MK,
pois o contrato foi devidamente rescindido sem gerar qualquer ônus para os
cofres públicos”, concluiu.
A Prefeitura de Alto Santo
disse que “o único contrato que tal empresa teve com o município foi para
construção de quadras poliesportivas, onde se habilitou e ganhou o processo
licitatório seguindo todos os critérios e normas legais”. A gestão acrescentou
que os pagamentos foram feitos após medições e fiscalização da equipe de
engenharia. “Em relação a emendas, o município de Alto Santo nunca recebeu
nenhum centavo destinado pelo deputado Júnior Mano”, finalizou.
A Prefeitura de Guaiúba
informou que teve três contratos com a empresa MK Serviços, Construções e
Transporte Escolar. Um para reformar uma quadra poliesportiva, outro para
reformar e ampliar uma escola e um terceiro para pavimentação asfáltica.
Segundo o município, as duas primeiras estão concluídas, em uso pela população
e pagas com recursos próprios do município. A terceira obra está 80% concluída
e é fruto de um convênio com o Governo do Estado.
“Para efeito de transparência,
informamos que a empresa concorreu por meio de processo licitatório cumprindo
todos os requisitos dispostos em lei”, concluiu, em nota, a gestão municipal.
Em nota, a Prefeitura de
Itaitinga informou que a obra executada pela MK no município está em fase
final, com previsão de entrega para março deste ano.
"A obra em questão foi
custeada integralmente com recursos próprios do tesouro municipal de Itaitinga,
não sendo beneficiada por qualquer tipo de emenda parlamentar, seja de ordem
estadual e/ou federal", finalizou.
A atual gestão municipal de
General Sampaio disse que "ainda está em processo de transição" e foi
surpreendida com a informação do contrato com a MK.
"A Administração decidiu
cancelar imediatamente a parceria, a fim de garantir a transparência e a boa
gestão pública. É importante esclarecer que a Administração Municipal atual
desconhecia qualquer envolvimento da referida empresa em atividades ilegais,
tendo em vista que o serviço contratado vinha sendo executado, conforme
repassado pela equipe de transição", informou.
Em nota, a prefeitura de
Iracema disse que, em 2023, a MK venceu uma disputa licitatória para a
contratação de serviços de instalação de aparelhos de refrigeração. A gestão
formalizou sete contratos relativos a 50% do valor total licitado para o ano de
2023 e o restante dos 50% no ano 2024.
"Todavia, tais contratos
não foram executados (nunca houve demanda), consequentemente, não se gerou
qualquer despesa ao município. "Além disso, a Prefeitura Municipal de
Iracema afirma que não possui controle acerca do ganhador de seus procedimentos
de licitação, e nem poderia, uma vez que é livre a participação de todos",
concluiu.
A Prefeitura de Juazeiro do
Norte informou que, ao saber sobre a investigação, determinou a "abertura
de um processo administrativo pela Controladoria Geral do Município. Além
disso, estão sendo enviados ofícios à Polícia Federal e aos demais órgãos
responsáveis para obter informações e verificar se há recomendações específicas
para os municípios que possuem contratos com a empresa citada". O
município reforçou que não recebeu emenda parlamentar do deputado Júnior Mano.
A Prefeitura de Russas disse
que "não houve qualquer indício de irregularidade quanto à contratação da
empresa MK Serviços". A gestão acrescentou que não há "citação e/ou
intimação em processo judicial até o momento que venha a colocar nossa cidade
como alvo das investigações noticiadas". "Entretanto, reforçando
nosso compromisso com a transparência e a boa gestão dos recursos públicos,
informamos que já está em andamento um novo processo licitatório que tem como
objeto a contratação de empresa para realizar as atividades atualmente
prestadas pela MK Serviços", concluiu.
Todas as prefeituras
mencionadas na reportagem foram procuradas, o espaço está aberto para
manifestações. Companheiro de chapa de Bebeto, o vice-prefeito eleito de Choró,
Bruno Jucá Bandeira, foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno. A
PRE também foi procurada, mas não comentou o caso.
Fonte: Redação Diário do Nordeste.
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