Caminho sem volta: BRICS impulsionou desdolarização do mercado mundial, opina analista

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A exclusão do dólar já é uma realidade em acordos comerciais entre grandes potências, como a Rússia e o Irã, e vem sendo discutida com cada vez mais frequência e intensidade entre os integrantes do BRICS, tirando o sono do governo dos EUA, principal afetado por esse movimento.

A hegemonia do dólar está com os anos contados? Para analisar o momento atual e arriscar conjecturas a respeito, o podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ouviu estudiosos do assunto.

Para a professora de relações internacionais do Ibmec São Paulo Karina Calandrin, graças a grupos como o BRICS a dependência do dólar tem diminuído consideravelmente nas exportações de países como o Brasil. O recente aumento do número de integrantes do agrupamento deve acelerar esse processo, opinou.

A Indonésia acaba de entrar como membro pleno do BRICS, juntando-se a Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Arábia Saudita.

Outros oito se enquadram na categoria de parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão.

Sob a batuta de Donald Trump, o governo norte-americano "vai tentar de qualquer forma" enfraquecer o BRICS e ameaçar essa tentativa de quebra da hegemonia do dólar, ponderou ela, que também colocou em dúvidas a eficácia dessa estratégia.

Atualmente, essas trocas comerciais alternativas no BRICS ocorrem com as próprias moedas dos países envolvidos nas transações, mas a pesquisadora vê em um futuro próximo a criação de uma moeda virtual para as transações.

O professor de economia do Ibmec Brasília Renan Silva ponderou que, embora viável, até que uma nova moeda ganhe credibilidade e peso em transações comerciais, será necessário uma série de estratégias e tempo, muito tempo de maturação.

Entre as complexidades que envolvem a implementação de uma moeda, mesmo que virtual, estão as diferenças políticas dos países do BRICS, apontou ele. Silva também citou o atual protecionismo norte-americano como resultado do impacto da entrada da China na economia globalizada nos últimos 40 anos.

"O maior exportador de petróleo hoje para a China são os Estados Unidos. Assim como a soja. Consequentemente, quando a China produz lá, quem é o principal mercado consumidor dos produtos com valor agregado da China? São os Estados Unidos. Por isso que a balança comercial com a China, EUA-China, é negativa para o lado dos Estados Unidos", disse ele, ao lembrar que as principais empresas e fábricas dos Estados Unidos foram para a China nos últimos 30 anos.

As transações comerciais com moedas locais também preocupam o governo Trump, avaliou Silva, pois isso torna esses países "mais autossuficientes, com uma logística mais barata, que é um grande trunfo dos Estados Unidos com relação ao resto do mundo", comentou o economista.

Sanções contra a Rússia catalisaram o processo

As sanções aplicadas à Rússia devido ao conflito na Ucrânia, que incluiu o banimento do sistema SWIFT, de transações financeiras internacionais, acelerou o processo de desdolarização, na opinião dos entrevistados. Ao passar a utilizar outros sistemas, como o chinês, a Rússia tem ajudado a fortalecê-los como alternativas eficientes.

Caso Trump cumpra as recentes promessas de enfraquecer o BRICS por meio de sanções ou ultrataxações dos Estados Unidos, outros países tomarão o mesmo rumo da Rússia.

"O Brasil já tem feito esse caminho já nas últimas décadas, pelo menos uma década e meia […]. Acredito que seja um caminho que o Brasil vai continuar fazendo, e no começo pode vir um revés, se de fato a política do Trump se consolidar."

Desdolarização e Brasil

Para Calandrin, a busca pela desdolarização livraria o Brasil do momento atual, em que o dólar interfere diretamente na economia brasileira e, consequentemente, na política e na vida das pessoas.

"Se o dólar sobe, sobe o preço de tudo dentro do Brasil e o brasileiro perde poder aquisitivo. O seu poder de compra diminui, porque […] o real perde poder de compra em relação ao dólar. O Brasil é um país agrário-exportador, e todos os insumos para a área agrícola vêm de fora e são comprados em dólar […]. Se a gente fizesse o comércio não em dólar, mas nas nossas moedas locais, isso facilitaria", explicou a professora.

Para Silva, o Brasil não está suscetível às oscilações dos Estados Unidos, mas sim a questões estruturais, como gastos obrigatórios, que forçam as contas públicas negativamente.

Entretanto o economista admitiu que um país como os EUA, com risco soberano menor, quando passa a pagar uma taxa de juros maior atrai investimentos que visam a uma taxa de juros maior em um ambiente mais seguro.

Uma moeda virtual do BRICS que dispute esse lugar do dólar, de única moeda universalmente conversível, torna-se nesse contexto mais que oportuna, diz a pesquisadora. Mas, para isso, é necessária uma massiva adesão dos parceiros, defendeu Calandrin, o que ainda é um desafio, já que produtores veem o dólar como mais vantajoso em termos de lucro.

"Não depende só dos países. Estamos em países capitalistas, em que a produção não é estatal, não é toda feita pelo Estado. É feita por produtores privados individuais que controlam suas produções. Então, no caso, depende do interesse deles também nessa negociação."

A disputa regional entre Índia e China, segundo ela, também prejudica o processo de aceleração da desdolarização na opinião da especialista, pelo temor do governo indiano de que isso deixará a China ainda mais poderosa econômica e comercialmente.

"Seria realmente uma mudança no jogo, e então a Índia tem que ponderar isso: 'Quero que meu adversário regional tenha esse avanço enquanto alta potência ou prefiro perder um pouco?'", disse ela, ao destacar que a Índia tem nos EUA uma aliança importante somente na esfera militar, considerando que ela tem um conflito com o Paquistão ainda não resolvido.

Ela ressaltou que a oscilação do preço do dólar se dá não apenas por conta do comércio, como também devido ao uso da moeda como reserva de valor. E é justamente por isso que hoje o dólar representa o lastro de todas as outras moedas do mundo, quase uma moeda universal para as transações correntes.

Entre as alternativas ao dólar como reserva de valor, o ouro é a principal, cada vez mais utilizada por China e Rússia na última década.

"Os países investindo em outras formas de ter a sua própria reserva de valor que não seja o dólar também auxilia em que esse processo da desdolarização seja mais rápido."

Silva alertou, no entanto, que, com a cotação do ouro subindo nos últimos quatro anos, os EUA ficaram mais ricos, pois são os maiores detentores mundiais de reservas do metal precioso.

"Por que eles são estrategistas, e desde os anos 1970. Com o fim do padrão ouro, com receio de um ataque contra o dólar ou com a desvalorização do dólar, eles fizeram uma reserva absurda de ouro. E esse é um outro quesito que dificulta a vida do BRICS", observou.

Ao mesmo tempo acrescentou: "Se você tiver um arrefecimento do dólar, as reservas do BRICS, da China, estão praticamente todas em dólar. Então todo mundo empobrece também se você tiver uma desdolarização relevante", comentou.

Fonte:Noticiabrasil

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