CCJ da Câmara abre reunião que pode analisar projeto para anistiar golpistas do 8 de janeiro

 

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara abriu nesta terça-feira (10) a reunião que pode dar início à análise de uma proposta que perdoa as condenações criminais sofridas por vândalos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

O projeto também modifica regras para julgamento de pessoas comuns em casos que envolvam pessoas com foro privilegiado, e os critérios para enquadrar pessoas no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que é preciso haver violência contra pessoa.

Prevê ainda que condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser baseadas nos chamados crimes multitudinários — aqueles cometidos em grupo, quando todos contribuem para o resultado a partir de uma ação conjunta.

Essa tese foi aplicada pelo Supremo na condenação de réus pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023

O texto é uma das principais pautas de parlamentares de oposição ao governo na Casa, que se articularam ao longo de todo o dia para evitar um esvaziamento do colegiado e assegurar que o projeto tivesse uma largada antes do primeiro turno das eleições municipais. Juristas criticam a proposta 

Em uma semana com presença remota liberada no plenário, mas com exigência de registro físico de frequência nas comissões, levantamento do g1 apontou que o PL e PP promoveram 21 trocas de membros para garantir que a CCJ tivesse o número mínimo de deputados necessário para abrir a reunião (34 parlamentares) — a maior parte entre esta segunda (9) e terça.

A liderança do governo, por outro lado, orientou parlamentares da base a não registrar presença, em uma tentativa de frustrar o começo da discussão do chamado "PL da Anistia".

Na reunião desta terça, a expectativa é que o relator do projeto, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), faça a leitura de seu parecer, que deve sugerir um novo texto, reunindo sete projetos de teor semelhante que são discutidos na CCJ.

O objetivo central do texto de Valadares, segundo ele próprio, é perdoar os participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro que foram presos ou que estão sendo investigados.

Com histórico público de participação em manifestações de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), defensor da anistia aos vândalos, em seu parecer, Valadares relativiza os atos golpistas, diz que que os vândalos foram tratados com "rigor excessivo" e argumenta que eles não "souberam naquele momento expressar seu anseio por liberdade".

Ainda trata os condenados como punidos por representarem o "ideal de oposição ao governo eleito".

Pelo relatório proposto por Valadares, a anistia seria concedida a todos delitos ocorridos entre 8 de janeiro e a eventual data de entrada em vigor da lei. Seriam abrangidos pelo perdão as pessoas que:

participaram de manifestações com motivo político ou eleitoral nas datas

financiaram e apoiaram os atos no período

O perdão poderá alcançar eventos anteriores ou posteriores, se tiverem relação com o 8 de janeiro.

Esse perdão vai valer para crimes com motivação política ou eleitoral, bem como os definidos no Código Penal. Também alcançará qualquer medida de restrições de direitos — impostas por liminares ou sentenças transitadas ou não em julgado — que “limitem a liberdade de expressão e manifestação” em redes sociais.

A anistia, de acordo com o texto oferecido por Rodrigo Valadares, não vai abranger os seguintes crimes:

tortura

tráfico de droga

terrorismo

hediondos

contra a vida

dano em patrimônio histórico

dano em coisa alheia

lesão corporal

e incêndio com perigo à vida

Também seriam anuladas multas da Justiça Eleitoral ou da Justiça Comum às pessoas físicas e jurídicas por manifestações com motivo político ou eleitoral, e por financiar e apoiar atos entre 8 de janeiro e a eventual data de entrada em vigor da lei.

Os envolvidos nesses atos depredaram prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, em uma tentativa de desestabilizar a ordem democrática e questionar o resultado das eleições de 2022.

O Supremo já condenou 227 pessoas pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Ao todo, 1.644 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal.

Segundo o projeto, a anistia seria automática, assim que a lei entrasse em vigor, sem a necessidade de o condenado pedir o perdão à Justiça.

A proposta também prevê que todos os beneficiados pelo perdão recuperariam os direitos políticos e não poderiam mais sofrer com outras implicações cíveis ou penais.

Nos bastidores, a proposta de anistia tem sido avaliada por parlamentares aliados a Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas em 2022, como um “moeda de troca” na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.

A intenção de fazer andar uma proposta de anistia aos vândalos ficou clara no último fim de semana, em um discurso do próprio ex-presidente Bolsonaro em São Paulo.

Desde o último ano, parlamentares de oposição têm afirmado que podem condicionar o seu apoio ao comprometimento de um candidato com o eventual avanço do texto na Casa.

Para virar lei, a proposta precisaria ser aprovada pela CCJ. Mas, depois, teria de ser chancelada pelo plenário principal da Câmara dos Deputados — que tem a pauta escolhida pelo presidente da Casa. Na sequência, teria de ser submetida à análise do Senado.

Por fim, se aprovada nas duas Casas, teria de ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Rodrigo Valadares defende o projeto e diz que a anistia contribui para "devolver o Brasil a um novo tempo".

"Um tempo de maturidade política, de convívio com os diferentes, de garantia à liberdade de expressão e um resgate da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro. A concessão de anistia é o porto seguro para que o Brasil aporte-se em um novo tempo de Justiça e a garantia do Estado de Direito em um regime democrático", disse o relator.

Crimes contra o Estado

O texto oferecido por Rodrigo Valadares define que, para haver tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, é preciso haver “violência contra pessoa” — argumento amplamente utilizado pelos defensores dos vândalos golpistas, que dizem não ter havido tentativa de inversão da ordem democrática por não ter ocorrido violência.

Apesar disso, registros mostram que policiais sofreram violência nas invasões às sedes dos Três Poderes e que uma policial militar chegou a ser atirada da cúpula do Congresso Nacional.

Pelo projeto, uma pessoa só poderia ser enquadrada no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito se fosse comprovado o emprego de violência contra pessoa ou grave ameaça. Atualmente, não há a previsão de que é preciso haver violência contra pessoa. A pena, no entanto, continuaria a ser a mesma – quatro a oito anos de reclusão.

Também sofreria mudança parecida o crime de tentativa de depor governo “legitimamente constituído”. A punição seguirá, segundo o texto, a mesma (quatro a 12 anos de reclusão), mas precisará haver violência contra pessoa ou grave ameaça.

Pela proposta, não poderá haver condenação por crimes contra o Estado Democrático de Direito com base nos chamados crimes multitudinários — cometidos por um grupo de pessoas em um tumulto. A tese foi aplicada pelo Supremo na condenação de réus pelos atos golpistas.

O projeto diz que é preciso haver a “individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe”.

Financiamento de movimentos

O relator também propôs que pessoas físicas e jurídicas não podem ser punidas pelos atos dos movimentos financiados por eles, que eventualmente tentem agir contra o “ordenamento jurídico”.

A responsabilização penal, segundo o parecer, só poderá ocorrer se houver comprovação de:

dolo direto

e nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido

Foro privilegiado

O parecer de Rodrigo Valadares também prevê mudanças no julgamento de pessoas comuns em inquéritos que envolvam pessoas com foro privilegiado — prefeitos, juízes, deputados, ministros, governadores e senadores, por exemplo.

Segundo a proposta, réus atraídos a uma instância superior só poderão ser julgados de forma conjunta ou na sequência da pessoa com foro privilegiado.

A cada fase do inquérito, deverá haver um reexame do foro para que as pessoas comuns não tenham "marcha mais célere que o da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função".

O projeto também estabelece que, assim que uma autoridade perder o foro, todos os julgamentos e pessoas atraídas por ela para uma instância superior deverão ser imediatamente redistribuídos para as instâncias adequadas na Justiça — independentemente da fase processual.

Especialistas em direito constitucional criticam o texto e apontam que, embora o Congresso tenha competência constitucional para conceder anistia, há um conflito em tentar perdoar crimes contra o Estado Democrático de Direito e uma tentativa de enfraquecer o Poder Judiciário.

Segundo o doutor em direito constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Ademar Borges, a Câmara tem competência para aprovar uma lei de anistia, mas a anistia não pode incidir sobre esse tipo de crime.

"O STF decidiu que é inconstitucional a anistia dada às pessoas que cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o perdão para esse tipo de crime seria inconstitucional", afirmou.

A avaliação é semelhante à do advogado criminalista André Perecmanis, também professor de direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

"O Congresso se colocaria acima do Judiciário, outro precedente perigosíssimo. Anistia é um instrumento previsto na Constituição, mas a aplicação nesse caso é inconstitucional", avaliou Perecmanis.

Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, há uma contradição na proposta ao estabelecer anistia para condenados que tentaram agir contra o próprio Congresso.

"Pelo inciso 44 interpretado literalmente, o Congresso pode até aprovar um PL de anistia, todavia é absolutamente contraditório imaginar que um projeto de lei conceda anistia a quem agiu contra a própria democracia, fundamento maior da separação de poderes", disse.

O professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Wallace Corbo, segue a mesma linha: "O poder Legislativo para burlar a proteção à democracia está anistiando crimes contra a democracia".

Fonte: G1

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