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Agora,
a obra está ocorrendo no Ceará, onde terá ligação para escoamento de produção
no Porto do Pecém. Porém, é o fato dela começar no “meio do Piauí”, mais
precisamente na cidade de Eliseu Martins, que vem chamando a atenção de
especialistas em desenvolvimento regional, como a economista Tania Bacelar.
Ela,
que é uma das vozes mais reconhecidas por seu trabalho como ex-diretora da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), ex-secretária
nacional de Políticas Regionais e sócia da Ceplan Consultoria Econômica, afirma
que a Transnordestina "deveria ter sempre sido pensada e construída com
uma ligação na Ferrovia Norte-Sul (FNS)".
O
projeto da Transnordestina deveria ter sido pensado começando da Norte-Sul e
não do meio do Piauí. Então, para mim, está faltando um pedaço nesse projeto,
está faltando o início".
Tania
Bacelar
economista,
especialista em desenvolvimento regional
Vale
lembrar que esse trecho possui estudo há 12 anos, mas que nunca saiu do papel e
parece não ter prazo para ocorrer.
A
economista comenta que a Bahia está fazendo a Fiol (Ferrovia de Integração
Oeste-Leste) - que ligará o porto de Ilhéus a Figueirópolis, em Tocantins,
ponto em que se conectará com a FNS. Com isso, de acordo com projetos
existentes, poderá ocorrer escoamento de produção, no futuro, pelo Oceano
Pacífico (caso essas ferrovias se conectem com ferrovias de outros países, como
Peru e Colômbia.
NEGÓCIO
DA CHINA
"Esse
caminho, inclusive, interessa à China. Isso porque a China vai entrar na
América do Sul por aqui. Então, avalio como certa essa movimentação da Bahia.
Esse é um projeto muito importante", afirma.
Por conta disso, Tania afirma
não entender os motivos de deixar a Transnordestina isolada da malha
ferroviária brasileira. "O fluxo de mercadorias (produção de grãos do
Centro-Oeste) já sobe, hoje, reto pela Norte-Sul, saindo pelo porto do Maranhão
e com a ligação com a Transnordestina, se puxa para dois pontos importantes do
Nordeste oriental".
A economista ainda aponta um
caminho que ela considera "inverso", quando se faz a ferrovia pensada
pelo olhar do Porto e não o contrário. Além disso, houve a retirada, por um
tempo, do projeto original da parte que passa pelo estado de Pernambuco e vai
até o Porto de Suape, no mesmo estado.
"Pernambuco não se rendeu
a essa decisão de não ter a sua parte (da Transnordestina), que tem em Suape um
porto e também um distrito industrial, está resistindo e conseguiu reverter
isso com o Governo Federal, mas tudo é um grande desafio", diz Tania.
A
especialista ainda pondera que levar a ferrovia até o Pecém também é um grande
desafio por conta do financiamento.
"A
discussão é: tem quem financie, tem atividade econômica que suporte isso? Então
o primeiro cenário é que vá até Pecém e depois teremos que ver se teremos
lucidez para levá-la até o FNS e até Suape. Esse segundo trecho, Pernambuco
continua segurando e falando, mas a ligação com a Norte-Sul, não vejo ninguém
falar".
A
economista ainda reforça que defende essa ligação porque quando olha para a
obra da Fiol, ela tem essa dimensão de ligações e interligações. "Além
disso, as cargas da Fiol são grãos e minério, mas não são as mesmas da
Transnordestina, então comporta no Nordeste ter as duas, uma não é concorrente
da outra", pontua.
PARA PODER SER COMPETITIVO,
PRECISA INVESTIMENTO
Heitor Studart, coordenador do
Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec),
afirma estar faltando investimento para que a malha ferroviária brasileira seja
competitiva. Segundo ele, mesmo com a falta de investimento dos governos há
mais de 30 anos e o Brasil priorizando o transporte rodoviário (que representa
atualmente 67%), o País é o sexto em movimentação de carga ferroviária no mundo
e o nono em extensão de malha ferroviária, também no mundo.
Sobre
a Transnordestina começar "no meio do Piauí", Studart comenta que
isso não é um problema, já que esse ponto inicial está, segundo ele, a cerca de
400 quilômetros da FNS, o que pode ser ligado por transporte rodoviário.
"Para
uma ferrovia funcionar bem, por outro lado, precisa a malha rodoviária também
estar funcionando bem. A pesquisa da Confederação Nacional de Transporte (CNT)
aponta que de 67 a 75% das rodovias do País estão em condições regulares, ruins
ou péssimas. Isso já vem há mais de 20 anos e ninguém sai disso. Se não tem
dinheiro público para recuperar, imagina para ampliar e criar novas
rodovias".
Nesse ponto, o especialista
aponta como solução as parcerias público-privadas (PPPs). "As ferrovias
estão andando no Brasil muito por isso, pelas antecipações das renovações das
concessões e pelas obrigações de investimentos. As obras da Fiol e da Fico
(Ferrovia de Integração do Centro-Oeste) são exemplos disso".
INTERLIGAÇÃO COM MODAL
RODOVIÁRIO É ESSENCIAL
Para não precisar aguardar a
ligação da Transnordestina (TLSA) com a FNS, Studart destaca que a BR-020 pode
ser uma solução. "Pouco se fala, mas talvez esse seja o principal eixo de
interligação produtivo com os portos do Pecém e do Mucuripe".
O
especialista em infraestrutura reforça que a BR-020 diminui em cerca de mil
quilômetros a distância daqui com o Centro-Oeste e Sudeste, e isso tem impacto
direto no preço do frete.
"Mas
o problema é que essa rodovia não tem um investimento previsto. Não é de
construção, porque ela já está implantada, mas é de melhorias, adequação,
alargamento, criação de faixa-extra e de faixas de acostamento e paradas.
Então, volto a dizer, o sistema de interligação existe, o que falta é um
planejamento específico e investimento, em resumo".
Questionado
sobre o que seria mais barato, se fazer a ligação ferroviária, levando a
Transnordestina até a Norte-Sul ou as melhorias na rodovia, Studart é taxativo:
"Não dá para pensar no que é mais barato, é preciso pensar que é
necessário fazer os dois, porque um modal não funciona bem sem o outro. Todas
essas obras são de fundamental importância".
ESCOAMENTO DE SAFRA DE OUTRAS
REGIÕES DO PAÍS PODERIA SER MAIS RÁPIDO PELO PECÉM
Heitor Studart revela que foi
a pressão dos produtores de grãos do Centro-Oeste que fizeram com que a
Ferrovia Norte-Sul tivesse a obra concluída. "Isso porque, um caminhão,
mesmo pegando a Fiol para exportar pelo Porto de Santos (SP), pode esperar cerca
de 40 dias para poder carregar um navio. Sabemos que são cerca de 3 mil
caminhões na fila lá".
Assim, ele explica que, mesmo
agora, essa produção escoando pelo Porto de Itaqui (MA) não conseguiria atender
esse volume de produção e exportação na sua totalidade pelo seu tamanho e
capacidade.
Fazendo essa ligação com a
Transnordestina, seja ferroviária ou rodoviária, parte vem para o Pecém e isso
seria um porto ajudando o outro. Os dois teriam todas as condições de atender
essa produção e isso gera economia também para o nosso estado".
Heitor Studart
coordenador do Núcleo de
Infraestrutura da Fiec
DE QUE FORMA LIGAÇÃO
FERROVIÁRIA PODE SER FEITA?
Procurada pela reportagem, a
Transnordestina Logística S/A (TLSA), empresa do Grupo CSN, responsável pela
construção e operação da Ferrovia Nova Transnordestina, afirmou por meio de sua
assessoria de comunicação que "é favorável a uma possível ligação com a
Norte-Sul". "Porém, nosso foco é mesmo o projeto atual".
Para o diretor-presidente da
Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto, a
interligação futura entre a Transnordestina e a Ferrovia Norte-Sul é um caminho
natural.
É necessário, contudo, que o
primeiro passo seja concentrar os esforços e os recursos disponíveis no projeto
atual, para que as obras continuem com a tração que está para a conclusão
dentro do prazo da primeira ligação, entre o Piauí e o Porto de Pecém. Paralelamente,
e agora com a participação do setor público, a finalização do ramal até Suape.
A conexão com a Norte-Sul deve vir em um segundo momento".
Davi Barreto
diretor-presidente da ANTF
Já o coordenador do Núcleo de
Infraestrutura da Fiec, reforça que, com o estudo já existente, outra empresa
que tiver interesse em executar o projeto pode se valer das Debêntures de
Infraestrutura (criadas pela Lei nº 14.801/24) e das autorizações ferroviárias.
"O setor privado
interessado em explorar essa malha encaminha um projeto técnico para a Infra
S.A. (empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, controlada pela
União através do Ministério da Infraestrutura, com foco na prestação de
serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e inovação para
o setor de transportes), pedindo autorização para construir e uma concessão por
30 anos. Assim se responsabiliza por tudo, construção, licenciamentos e o
governo em contrapartida concede essa exploração. Se tá feita a concessão, está
feita a ligação. Como eu disse, tendo investimento, tem ferrovia".
ENTENDA O CENÁRIO ATUAL DO
SETOR FERROVIÁRIO NO BRASIL
Segundo a Associação Nacional
dos Transportadores Ferroviários (ANTF), desde a desestatização, na década de
1990, as concessionárias ferroviárias de carga investiram quase R$ 170 bilhões
em toda a rede, o que fez com que a produção crescesse mais que 150% e a
movimentação dobrasse.
Hoje, as ferrovias associadas
à ANTF transportam 530 milhões de toneladas por ano, 95% de todo o transporte
de minério e a quase metade do transporte de grãos. No entanto, de acordo com
Davi Barreto, diretor-presidente da ANTF, poucos investimentos públicos foram
feitos nesse período de forma a aumentar a extensão da malha.
"Alguns investimentos
aconteceram, de fato, como a Fiol e a continuação e conclusão da Ferrovia
Norte-Sul. Sem dúvida, foram investimentos muito importantes para a
interligação de toda a malha do país: com a conclusão da Norte-Sul — após a
concessão para o setor privado —, finalmente há uma solução que interliga os
portos de Itaqui, no Maranhão, ao de Santos, em São Paulo. Isso permite às
cargas do Centro-Oeste brasileiro diferentes alternativas logísticas, a
depender de suas características. Contudo, existe, sim, ainda, bastante espaço
para modernizar e aumentar a interligação e a extensão de todo o sistema
ferroviário de cargas brasileiro".
Ele pondera que apesar dos
grandes investimentos feitos pelo setor, e além dos R$ 170 bilhões mencionados,
estão programados para os próximos três anos mais de R$ 50 bilhões em recursos
privados das próprias concessionárias.
"Ainda assim, muito
precisa ser feito. O fato é que a ferrovia é um modo de transporte de
investimento intensivo. Novas ferrovias (“greenfield”) demandam muito capital,
que têm retorno de longuíssimo prazo. Mas se o nosso setor demanda muito
investimento, ao mesmo tempo, ele traz inúmeros benefícios quando comparado com
o modo rodoviário: por exemplo, redução do preço de frete, aumento expressivo
da eficiência e segurança da operação, diminuição do número de acidentes nas
estradas e, cada vez mais importante, das emissões de gases do efeito estufa.
Em resumo, é um investimento alto, mas que se compensa no longo prazo".
Sobre desafios, Barreto aponta
que é fundamental uma participação pública mais efetiva, já que atualmente mais
de 95% dos investimentos nas ferrovias brasileiras são feitos pela iniciativa
privada.
O setor público tem que
participar mais desse processo, seja por meio de aportes, incentivos,
financiamento, e também por meio de novas concessões e Parcerias
Público-Privadas".
Davi Barreto
diretor-presidente da ANTF
Quando se fala em Nordeste no
setor ferroviário, o diretor-presidente da ANTF ainda destaca que a região vem
recebendo investimentos significativos, tanto para a Transnordestina, que ele
considera uma das maiores obras de infraestrutura em andamento atualmente no
Brasil, quanto para a Fiol.
"Esses e outros projetos
na região têm que ser incentivados e impulsionados tanto pelo setor público
quanto pelo privado", sinaliza Barreto.
A Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) e a Infra S.A. foram procuradas pela reportagem
mas não se manifestaram sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
Fonte: Diário do Nordeste
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