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Em seu discurso de abertura do
ano legislativo, no qual distribuiu recados ao governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), colocou como prioridade do Congresso a aprovação de projetos que
decidiu chamar de "agenda verde", o nome ligado a iniciativas
pró-meio ambiente.
Propostas que ficam sob esse
guarda-chuva "verde" também entraram no radar do Centrão, o grupo
informal de legendas que ficou conhecido por não ter amarras ideológicas e se
mover de acordo com suas demandas por emendas e espaço na máquina administrativa.
Vários parlamentares do
Centrão têm se mobilizado para controlar projetos do gênero em tramitação.
A Câmara também confrontou o
governo e o Senado e, sob o comando de Lira, fez alterações em seu regimento
para acelerar propostas da área e fazer com que deputados tenham a palavra
final em pautas estratégicas antes de enviá-las para a sanção presidencial.
Essas movimentações ocorrem ao
mesmo tempo em que Lira e boa parte dos nomes do Centrão apoiam iniciativas
amplamente críticas por ativistas ambientalistas e especialistas, entre elas a
adoção de um marco temporal para limitar a demarcação de terras indígenas e
propostas vistas como maneiras de afrouxar a regulação ambiental.
Há
ainda em tramitação 28 propostas classificadas por
ambientalistas como um “pacote da destruição”, que, na avaliação deles,
podem potencializar catástrofes climáticas como as enchentes que atingiram o
Rio Grande do Sul.
Mas
por que, afinal, Lira e o Centrão estão tão interessados em falar em
"agenda verde" agora?
“A
questão do clima deixou de ser um tema estritamente ambiental e hoje está no
centro da agenda econômica”, pontua a cientista política Mônica Sodré, da
Universidade de São Paulo (USP).
"É
natural que isso atraia novos atores, assim como interesses de mercado e
pessoas interessadas em fazer negócio."
A
agenda verde de Lira e do Centrão tem um foco claro. O grupo tem se articulado
para liderar iniciativas sobre o mercado de carbono, a exploração de hidrogênio
combustível e a criação de um fundo para a transição energética de empresas.
Em
seu terceiro mandato na Câmara, o deputado e ambientalista Aliel Machado
(PV-PR) diz que o perfil de congressistas que têm se envolvido com esses temas
mudou.
“Quando
mexe no bolso, os grupos econômicos mobilizam os atores políticos que têm
influência aqui dentro do Congresso”, afirma Machado.
A
BBC News Brasil ouviu de oito parlamentares, de seis partidos diferentes -
sendo quatro do Centrão, além de um do PL e um da base governista - o mesmo
relato.
Segundo
eles, empresas estrangeiras têm procurado esses políticos com a promessa de
investimentos bilionários em seus Estados de origem com a instalação de
estruturas em alto-mar para produzir hidrogênio verde (conhecidas como
eólicas offshore).
Estrategicamente,
estas companhias buscam parlamentares com grande influência política, caso dos
integrantes do Centrão, mas que não são necessariamente ligados à causa
ambiental.
As
propostas têm impressionado os parlamentares, de olho nos possíveis dividendos
eleitorais que podem trazer, e conquistado seu empenho para fazer a regulação
do setor.
“É
aquela história: às vezes o deputado nem acompanha muito o assunto, mas vem uma
empresa, diz que vai investir R$ 20 bilhões no Estado dele se aprovar um
projeto de uma determinada forma. O cara fica louco, já se imagina concorrendo
a governador”, relata um deputado próximo ao grupo político de Lira, que pediu
para não ser identificado.
Nenhum
dos parlamentares que falou com a reportagem citou nomes dessas supostas
companhias ligadas a projetos de hidrogênio que estariam em campanha para
conquistar nomes do Centrão.
Trata-se
de um mercado em plena prospecção e ainda sem regulamentação. É no momento de
discussão das propostas que estão no Congresso que os lobbies atuam para
influenciar o desenho dos textos legais.
A
BBC News Brasil entrou em contato com três associações ligadas ao setor e com
cinco das companhias que mais apresentaram pedidos relacionados para abertura
de empreendimentos na costa brasileira para perguntar sobre a relação com o
governo e o Congresso.
Os
que responderam à reportagem dizem, em linhas gerais, que as empresas têm
acompanhado as discussões, apresentado suas demandas e feito contato com
governo e parlamentares, muitas vezes via associações (leia mais abaixo).
O
choque de visões (e interesses) do governo, empresas, Congresso e até entre a
Câmara e o Senado têm afetado o andamento da agenda.
“O
que a gente vem percebendo é uma falta de debate conceitual, do que queremos
sobre hidrogênio verde, mercado de carbono, e diversas matérias sendo colocadas
para atender interesses muito específicos, sem ligação com a política
climática”, critica a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do
Meio Ambiente, Ana Toni.
Por
que tanto holofote para o hidrogênio verde?
A
Europa tem feito uma corrida em busca de outras fontes de energia, por conta da
necessidade de diminuir as emissões de gases do efeito estufa a níveis
compatíveis com o Acordo de Paris e das dificuldades enfrentadas pela restrição
do fornecimento de gás vindo da Rússia após a Guerra na Ucrânia.
O
Brasil entrou no radar dos europeus por seu enorme potencial para a
comercialização de créditos de carbono e, principalmente, para a produção e
exportação de hidrogênio verde, considerada a vedete das novas energias limpas.
O
hidrogênio combustível, cujo potencial calorífico é três vezes superior ao da
gasolina ou do diesel, pode ser obtido por diferentes processos, todos eles
demandam energia utilizada no processo de produção, e cada um destes processos
é denominado por uma cor.
Quando
é utilizada uma fonte de energia elétrica de origem fóssil, como termelétricas
a carvão, por exemplo, ganha o nome de hidrogênio cinza.
Caso
haja a captura e armazenamento do CO2, passa a ser hidrogênio azul. Se é
utilizada energia nuclear na sua produção, será hidrogênio roxo ou rosa.
E,
finalmente, quando produzido a partir de fontes limpas como solar, hídrica ou
eólica (ou seja, energia limpa produzida com energia limpa), ganha o selo de
hidrogênio verde.
Ao
longo dos últimos anos, estudos mostraram que a longa costa brasileira, com
boas condições para a instalação de empreendimentos, posicionam o país como a
grande potência exportadora de hidrogênio verde para o mundo.
Dados
do Ministério de Minas e Energia (MME), apontam que o país tem “potencial
técnico” para produzir 1,8 bilhão de toneladas de hidrogênio por ano.
A
título de comparação, a produção atual em todo mundo é de cerca de 90 milhões
de toneladas por ano.
A
localização dos polos de produção na costa brasileira permite o transporte
marítimo (via navio) na forma de amônia, de modo rápido e competitivo, tanto
para os Estados Unidos quanto para a Europa.
A
estabilização como amônia também pode resolver um problema doméstico, pois
permite produzir fertilizantes, algo crucial para a agricultura, que hoje
representa 24,8% do PIB brasileiro.
Por
fim, o hidrogênio seria uma alternativa para reduzir as emissões de carbono de
setores da economia em que essa é uma tarefa considerada por especialistas mais
desafiadora, como siderurgia e setor de cimento.
Um
estudo do Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems (ISE), um centro de
pesquisas alemão, aponta Brasil, Colômbia e Austrália como os mais competitivos
para fabricação e exportação de hidrogênio verde e seus derivados para a
Europa.
A
consultoria McKinsey concluiu que o Brasil poderia produzir hidrogênio verde ao
custo de US$ 1,50/kg em 2030, o que está alinhado às melhores localizações dos
EUA, Austrália, Espanha e Arábia Saudita e mais barato que o preço de
potenciais concorrentes como a China, a Alemanha, o Japão e a Coreia do Sul.
Já
a Boston Consulting projetou que, até esta mesma data, o país pode conquistar
entre 10% e 15% das exportações globais.
Os
gargalos tecnológicos, contudo, ainda são um problema para o Brasil, apontam
esses estudos. O hidrogênio tem altíssimo teor explosivo, e a amônia é
altamente tóxica.
As
grandes companhias do setor não demoraram a perceber o potencial brasileiro.
Mesmo
sem ainda haver regulamentação, foram apresentados até o momento ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) 96 projetos de complexos eólicos offshore
por empresas inglesas, espanholas, japonesas e norueguesas, entre outras, para
explorar a costa brasileira.
São
48 projetos no Nordeste, 28 no Sul e 20 no Sudeste. “O sonho de todos nós que
trabalhamos com sustentabilidade sempre foi energia limpa. Mas mesmo a energia
limpa precisa ter regra”, aponta o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
“As
eólicas na terra, que estão crescendo muito, já têm causado conflitos sociais,
instalando-se em áreas de conservação ou próximas a comunidades
hipossuficientes. A nova fronteira é a disputa sobre as regras para eólicas no
mar”.
A
BBC News Brasil entrou em contato com três associações que tratam da questão da
exploração de hidrogênio no Brasil e com cinco das companhias que mais
apresentaram pedidos para abertura de empreendimentos na costa brasileira, para
entender como têm acompanhado as discussões, apresentado suas demandas e feito
contato com governo e parlamentares.
A
Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV) considera que o
ponto mais relevante das tratativas é que tipos de incentivos à produção do
hidrogênio verde, como redução de impostos, serão oferecidos para torná-lo mais
competitivo em relação a outros tipos de hidrogênio, como azul e cinza.
Algumas
empresas associadas à ABIHV se encontram em fase de desenvolvimento de projetos
de hidrogênio verde no Brasil, segundo a diretora-executiva Fernanda Delgado.
Entre
os principais projetos, estão o da Fortescue Future Industries, que anunciou um
projeto de R$ 67 bilhões no Ceará para produzir hidrogênio verde e amônia.
Na
mesma linha, Sérgio Augusto Costa, presidente da Associação Brasileira de
Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis (ABHIC), alega que “Europa e os Estados
Unidos já nos mostraram que é praticamente impossível desenvolver essa nova
indústria sem condições atrativas para investidores".
"Como
é uma indústria incipiente, é fundamental haver o auxílio por meio de
benefícios tributários, com isenções e desonerações fiscais”, argumenta Costa.
Já
para Marina Domingues, diretora de mercado e regulação da Associação Brasileira
do Hidrogênio (ABH2), que atua junto ao governo e ao Congresso representando
mais de 100 empresas, o Brasil não deve se limitar ao hidrogênio verde.
Ela
afirma que, como o país já tem uma matriz energética com bastante energia
limpa, pode agregar todas as formas de produção de hidrogênio, incluindo fontes
fósseis, como um incentivo à recuperação da capacidade industrial brasileira.
“A
orientação que damos é que não se pode restringir a discussão a hidrogênio
verde. Não deveríamos focar nas cores, mas na forma de produção de hidrogênio
de baixo carbono”, defende Domingues.
As
três associações disseram acompanhar de perto as discussões e se reúnem
semanalmente com governo e parlamentares para apresentar suas demandas.
Foram
contatadas as empresas Shell, Equinor, BlueFloat, Neoenergia/Iberdrola e
Shizen.
A
Shell afirmou que “o Brasil tem feito importantes avanços na sua agenda verde,
tanto no Executivo quanto no Legislativo, para a qual contribuímos com a nossa
experiência internacional, diretamente e via associações”.
Na
mesma linha, a Equinor disse que tem participado de fóruns de discussão com
partes interessadas da indústria e do governo, principalmente por meio de
associações do setor, “com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento dos
marcos legislativos e regulatórios, compartilhando nossa expertise técnica e
experiências internacionais”.
A
BlueFloat alegou que, apesar dos pedidos encaminhados ao Ibama, não está ativa
no mercado brasileiro no momento e, como tal, não poderia comentar.
As
outras duas companhias, Shizen e Neoenergia/Iberdrola, não responderam.
maior
sobre qual é a transição energética que o Brasil vai ter", diz secretária
do MMA
Tantos
interesses em jogo também colocaram deputados e senadores em disputa pela
agenda verde.
A
Câmara se valeu de uma mudança no seu regimento, feita sem alarde em 2022, para
ter maior poder sobre o projeto que regulamenta o mercado de créditos de
carbono.
Neste
sistema, empresas que não atingiram suas metas de redução de gases de efeito
estufa podem adquirir créditos daquelas que emitiram menos do que o limite.
Até
então, Senado e Câmara respeitavam uma regra do regimento do Congresso na qual
quem aprova primeiro um projeto sobre determinado assunto tem a preferência na
tramitação em relação às propostas que o vizinho esteja analisando, mas ainda
não tenham sido aprovadas.
Mas
a Resolução da Câmara dos Deputados 33/2022 passou a prever que terá
precedência na Câmara a mais antiga das proposições em andamento,
necessariamente, “na Câmara dos Deputados”.
Isso
quer dizer que qualquer projeto da Câmara, mesmo que parado há anos, terá
preferência sobre uma proposta enviada pelo Senado, que será “apensada”, ou
seja, será anexada a um projeto dos deputados já existente.
No
sistema bicameral brasileiro, quem apresenta a proposta é a Casa iniciadora, e
a outra é a revisora. Quem começa o projeto pode, ao final, rejeitar as
mudanças feitas pela Casa revisora.
No
caso do mercado de carbono, o Senado havia incorporado a proposta do governo
Lula e aprovado, em outubro de 2023, o projeto de lei (PL) 412/22, que cria o
mercado de carbono no Brasil, enviando-o para a Câmara.
Mas,
embora tenha utilizado diversos dispositivos previstos pelo Senado, o relator
na Câmara, Aliel Machado, recomendou a rejeição formal e aprovação de uma
proposta da Casa que tramitava desde 2015, o PL 2148/15, que também versa sobre
o mercado de carbono, justamente amparado na mudança feita em 2022.
Nela,
Machado incluiu a regulação do chamado mercado voluntário, que não está sujeito
a regras definidas pelas autoridades públicas — o que foi criticado pelo
governo por acrescentar um tema a uma discussão que já está complicada.
“O
Brasil está muito atrasado no tema do mercado de carbono. Quanto mais tempo
demora, os interesses políticos e econômicos vão se consolidando e é cada vez
mais difícil chegar num consenso”, aponta Ana Toni, do MMA.
"Esse
é meu medo, porque agora a gente despertou um interesse do mercado voluntário,
e este ponto é controverso, traz insegurança jurídica."
O
próprio Aliel Machado, que defende sua proposta, relata ter sofrido forte
pressão externa.
“Petroleiras,
países, empresas externas estão de olho nesse mercado, porque estamos
transacionando menos de 1% do nosso potencial no mercado voluntário”, diz
Machado.
"São
muitos interesses. As críticas que fazem, a maneira como atuam, a gente sabe
que é pelo interesse econômico."
Setor
apontado como o mais bem organizado no Congresso, o agronegócio também fez
valer sua força.
Com
374 parlamentares que se declaram como integrantes da Frente Parlamentar da
Agropecuária (ou 63% de todo o Congresso), a chamada bancada ruralista congrega
boa parte do Centrão.
Por
meio de seu presidente, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), atuou junto aos
relatores do mercado de carbono na Câmara e no Senado para retirar do mercado
regulado as atividades do setor agrícola.
Ao
mesmo tempo, eles terão a permissão para que a recomposição de áreas de
preservação sejam elegíveis para créditos de carbono.
Ou
seja, o agronegócio poderá desfrutar do benefício desse mercado, sem a
princípio estar comprometido com o cumprimento dos parâmetros exigidos.
“Essa
divisão do país, onde o agro ficou mais próximo da direita, com receio do Lula,
foi equivocadamente colocada na balança para debater esse assunto”, diz
Machado.
“Acho
que o agro vai futuramente entrar [no mercado de carbono regulado], por causa
da pressão externa, o mundo vai exigir. Senão, vão perder dinheiro.”
Para
o presidente do Ibama, a criação de um mercado de carbono sem o agro será pouco
efetiva.
“Cerca
de 70% das emissões brasileiras têm a ver com desmatamento para agropecuária e
com a própria agropecuária”, diz Rodrigo Agostinho.
“Então,
fica um mercado de carbono que não para de pé, porque os próprios emissores
estão fora do mercado.”
No
caso do hidrogênio, a Câmara apresentou um projeto (PL 2308/23) e o Senado,
outro (PL 5816/23).
Já
o marco das eólicas offshore, cujo autor original é o ex-senador e agora
ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), foi aprovado pelo Senado e,
na Câmara, recebeu uma série de “jabutis”, jargão utilizado para acréscimos na
proposta que não se relacionam com o objeto original.
Entre
eles, um dispositivo que permite a extensão até 2050 de contratos com usinas
termelétricas movidas a carvão, uma das fontes de energia mais poluentes do
mundo.
No
fim de março, em nova mudança no regimento, Lira atuou para mudar a regras de
votação na Câmara e acelerar a aprovação do projeto 5174/23, que cria o
Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten).
A
proposta prevê um fundo verde a ser abastecido com recursos privados de
precatórios (dinheiro devido pelo governo por perder processos judiciais) e do
ressarcimento de impostos que as empresas têm direito a receber (créditos
tributários).
Pelo
regimento da Câmara, a matéria só poderia ser votada depois que fossem
apreciados quatro projetos de interesse do governo que já haviam estourado o
prazo e trancavam a pauta, ou seja, não permitiam que outras matérias fossem
votadas antes.
Por
meio da Secretaria-Geral da Câmara, em alteração publicada no Diário Oficial,
Lira mudou em alguns dias a contagem de prazos das matérias e abriu espaço para
aprovar a proposta.
Autor
do projeto e aliado de Lira, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) disse que
até R$ 3,5 trilhões poderiam ser redirecionados para a medida.
Fonte: News Brasil
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