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Em
recuperação judicial de R$ 600 milhões, empresário relata suposta pressão para
contratar advogados próximos a juiz que julga seu processo
Com uma dívida de R$ 600
milhões, a Sices
Brasil, empresa do ramo de energia solar, pediu recuperação judicial à Justiça de São Paulo em
abril de 2020. Desde então, a companhia e seu dono, o italiano Leonardo
Curioni (foto em destaque), entraram na mira de uma pesada artilharia de
bancos, que têm empilhado acusações de fraudes contra sua
gestão.
A crise, agravada por uma
operação da Polícia Federal (PF) que
investigou Curioni, levou a empresa à beira da falência. Em meio a essa
disputa, o empresário relatou ao Metrópoles (assista abaixo) ter
sido pressionado a fazer pagamentos milionários a advogados ligados ao juiz
Marcello do Amaral Perino, que conduz a recuperação judicial de sua empresa, e
ao perito Vanderlei Masson, nomeado pelo magistrado para fiscalizar as contas
da companhia.
Na lista de contratações da
Sices e habilitados a atuar em sua recuperação, estão advogados que fazem
parcerias em diversos processos com o perito que a fiscaliza e que também foram
nomeados por Marcello Perino como administradores judiciais em outros processos
de recuperação e falências.
Uma
das pessoas citadas pelo empresário, além de ter feito parcerias na advocacia
com o irmão de Perino, é sócio da esposa do administrador judicial nomeado pelo
magistrado para a recuperação judicial da Sices.
Parte
dos pagamentos milionários feitos pela Sices, segundo Curioni, não teve
prestação de serviços. Ele afirma que foi vendida a ideia de que, após essas
contratações, a situação difícil da empresa na recuperação judicial seria
“facilitada”.
Receoso
de que a não contratação das pessoas indicadas pudesse piorar o ambiente já
hostil de sua recuperação judicial, o empresário decidiu contratá-las, segundo
seu relato. Já os advogados citados por ele rechaçam essa versão. Dizem que
prestaram serviços e não venderam influência.
TJSP
investiga juiz
O
juiz Marcello Perino tem sido investigado
pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) após o Metrópoles revelar
que ele
nomeou a esposa de um juiz do Rio como administradora judicial em uma
insolvência ao passo em que o marido dela nomeou seu irmão em um processo sob
seu comando.
O Metrópoles também
revelou que Perino nomeou
um advogado parceiro de seu irmão como administrador judicial em insolvências
de R$ 1,1 bilhão. Esse mesmo advogado aparece em um depoimento em
cartório feito por um empresário que trava uma grande disputa na vara de Perino
como integrante de uma suposta reunião ao lado do irmão do juiz para tratar de
sua ação judicial.
Triplo
de honorários
A
trama relatada pelo empresário Leonardo Curioni tem início em março de 2021,
quando, segundo ele, sua defesa se reuniu com o perito Vanderlei Masson, em São
Paulo. Especialista em contabilidade, Masson havia sido nomeado pelo juiz para
apurar fraudes na Sices — as mesmas acusadas pelos bancos. Na recuperação
judicial da Sices, também foi subcontratado como contador do administrador
judicial do caso, Quintino Fleury, nomeado por Perino.
Meses
antes da reunião citada por Curioni, Masson havia dado um duro parecer que
resultou no afastamento do empresário do comando da empresa. No documento, ele
atestava, por exemplo, que Curioni havia retirado R$ 11,9 milhões da Sices em
meses que antecederam o seu pedido de recuperação judicial.
Segundo
Curioni, nessa reunião, partiu de Masson um pedido à sua defesa para que ele
dispensasse a banca de advocacia que lhe defendia à época — uma das maiores do
país em recuperações judiciais — e contratasse o advogado Kleber Bissolatti,
com quem o perito tem longo histórico de parcerias em processos. Nessa relação,
o advogado contrata o perito para trabalhos de contabilidade.
“O
primeiro problema, nosso caixa da companhia, passamos um contrato de R$ 50 mil
mensais para um contrato com o Bissolatti de R$ 150 mil mensais. Então,
triplicamos o preço. Nessa reunião, eles falaram de análise de dados,
contestações de algumas coisas [relacionadas ao processo], andamento da
companhia e tudo mais. Mas foi também aconselhada a troca de escritório, para
ter mais facilidade no nosso processo”, relata Curioni.
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Frequência
de envio: Diário
O empresário diz que, segundo o perito, Bissolatti seria mais “controlável” do que seus advogados anteriores. Curioni afirma que não esteve nessa reunião. Seu sogro e advogado, Carlos Amaro, participou à distância, por videoconferência, e confirmou sua versão ao Metrópoles. Como o empresário estava afastado do comando da Sices, o então CEO da empresa, o criminalista Leonardo Pantaleão, também foi à reunião. Rompido com a Sices, ele nega que Masson tenha feito a indicação.
Personagem
do relato de Curioni, Masson é um antigo perito da Justiça de São Paulo. Atuou
em centenas de casos de insolvência e em varas cíveis em quatro décadas. Com o
juiz Marcello Perino, responsável pela recuperação judicial da Sices, tem longo
histórico. Quando não nomeado pelo próprio magistrado como perito em seus
processos, foi subcontratado por administradores judiciais que o juiz indica em
insolvências, segundo documentos de dezenas de processos levantados pelo Metrópoles.
Seu
parecer no caso da Sices foi assinado em 2020, quando foi aberto um incidente
de afastamento contra o empresário após as acusações dos bancos, por ordem do
TJSP. Ele foi nomeado por Perino nesse processo específico, que tramita
paralelamente à recuperação judicial. Em fevereiro deste ano, após a Sices
romper com Bissolatti, o juiz Marcello Perino sentenciou o processo e manteve o
afastamento de Curioni, com base na perícia de Masson.
Masson
nega ter feito a indicação e diz que seu trabalho confirmou diversas acusações
feitas por bancos e desagradou o empresário. Diz, também, não se lembrar da
reunião com seus representantes e que seu escritório estava fechado para
reuniões presenciais na época desse encontro em razão da pandemia.
Além
de acusações de bancos e de um incidente de afastamento na recuperação
judicial, Curioni também foi alvo de uma operação da PF para apurar um suposto
esquema de fraudes em um consórcio do Banco do Brasil. Ele não foi denunciado
neste caso e afirma ser inocente. Na recuperação judicial, que não tem a ver
com essa investigação, os bancos dizem que houve retirada indevida de dinheiro
da empresa antes do pedido de recuperação.
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Contratado pela Sices pelo triplo dos honorários, Bissolatti estreitou sua relação com o juiz do caso nos últimos anos. Juntos, participaram de eventos patrocinados por escritórios de advocacia. Ainda em 2021, por exemplo, palestraram em um mesmo painel em um congresso em Trancoso, na Bahia. Bissolatti passou a ser nomeado em algumas recuperações judiciais como administrador judicial por Perino. Recentemente, renunciou a esses processos após romperem a relação, segundo documentos obtidos pelo Metrópoles.
Curioni
relata que, em 2023, em meio a um desses eventos, ligou para Bissolatti para se
informar sobre a recuperação judicial e, em meio à conversa, o advogado teria
colocado o juiz Marcello Perino na linha para falar com ele. “O juiz Perino me
disse textualmente: Não, Curioni, não tem que se preocupar com nada. A situação
está sob controle. Te garanto que está tudo certo”, relata Curioni.
O
empresário diz se lembrar que o diálogo ocorreu quando o advogado estava com o
juiz em um congresso fora de São Paulo. “Eu precisava de uma coisa rápida para
perguntar a ele da decisão que tinha chegado, não me recordo muito bem
objetivo, mas era para esclarecer uma dúvida, alguma coisa. E ele quis me
mostrar que estava com Perino. Ele falou: Curioni, não se preocupe de nada,
está tudo resolvido, tudo certo, tchau, boa noite”, diz.
Procurado
pelo Metrópoles, o juiz Marcello Perino não respondeu até a publicação
desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Já
Kleber Bissolatti diz que a conversa com o juiz e Curioni não aconteceu e que,
por diversas vezes no processo, contrariou e recorreu de decisões de Perino. Em
uma delas, brigou contra o patamar de honorários do administrador judicial do
caso.
O
advogado afirma que nunca teve qualquer influência com o juiz e que sua
contratação não passou pelo perito Vanderlei Masson. Ele diz ter sido
procurado, inicialmente, pelo então CEO da empresa, o criminalista Leonardo
Pantaleão. O advogado ainda afirma que deixou a Sices por contrariar interesses
de Curioni que prejudicariam a própria empresa.
Um
segundo advogado
Um
dos importantes ativos da Sices para tentar quitar suas dívidas está nos
créditos de ICMS devidos pela Fazenda de São Paulo. Para recuperá-lo, é
necessário passar por um complexo processo administrativo junto à Secretaria da
Fazenda. A Sices contratou duas empresas especializadas nessa área, porque
tinha dezenas de milhões de reais pendentes para recuperar junto à pasta. Eles
seriam revendidos à Enel, distribuidora de energia elétrica, e o valor seria
usado para pagar credores e manter a empresa de pé.
Em
meio à recuperação desses créditos, Curioni afirmou que Bissolatti sugeriu, com
urgência, subcontratar, também, o escritório do advogado Fábio Rodrigues
Garcia, sob o argumento de que somente com ajuda dele um dos créditos, no valor
de R$ 30 milhões, seria recuperado pela Sices. Trata-se de um crédito cuja
recuperação chegou a ser indeferida pela Secretaria da Fazenda, mas acabou
liberada depois.
A
Sices, àquela altura administrada por um conselho de diretores, e com Curioni
afastado, contratou Garcia. Assim como Bissolatti, Garcia também era
administrador judicial nomeado por Perino em diversos processos que, somados,
envolviam R$ 1,1 bilhão em dívidas — na condição de administrador judicial, ele
ganha honorários sobre essa cifra.
Garcia
também contratou Masson em diversas recuperações judiciais para ser seu perito
contábil. Como revelou o Metrópoles, Garcia já teve parcerias na advocacia
com o irmão do juiz Marcello Perino, Fernando do Amaral Perino, e tem como
sócia a advogada Andrea Fleury, que é esposa do administrador judicial da
Sices, Quintino Fleury. Tanto Quintino quanto Garcia renunciaram simultaneamente,
no fim de 2023, aos serviços de Masson. Àquela altura, já havia uma
investigação no TJSP sobre as nomeações de Perino.
“Quando
Bissolatti entrou no meio [para indicar Fabio Garcia], nem cuidaram de
interromper os contratos com as duas empresas que estavam já cuidando do
crédito do ICMS. Aí, em uma semana, liberaram tudo, tivemos que pagar R$ 2,7
milhões para o Fabio Garcia, R$ 1,7 milhão para Bisolatti e depois descobrimos
que também pagamos as duas empresas, que entraram com ações de cobrança
judicial. Perdemos mais da metade do nosso dinheiro disponível”, afirma
Curioni.
Garcia,
de fato, é especializado em direito tributário e presta esse tipo de serviço a
grandes empresas no país. Ao Metrópoles, ele afirma que trabalhou no caso
da Sices e entregou à reportagem uma troca de e-mails sobre a viabilização do
crédito do ICMS para a empresa. Mostrou também que mantém as senhas da Sices
para acesso a sistemas da Fazenda.
Ele,
no entanto, não é o único a reivindicar o serviço. Uma das empresas contratadas
pela Sices antes de Garcia para o mesmo trabalho relativo a ICMS mostrou ao
Judiciário uma série de e-mails nos quais ela mesma comunicava à Sices que
conseguiu viabilizar a recuperação dos R$ 29 milhões e obteve uma sentença
favorável da Justiça para que seja viabilizado o pagamento pelo serviço.
Segundo Curioni, foi essa empresa que prestou o serviço, e não Garcia.
Curioni
afirma que, além de não rescindir contratos com essas empresas, Bissolatti
recebeu, ao lado de Garcia, uma remuneração milionária. “Os primeiros a receber
foram Fabio Garcia e Bissolatti, de toda essa situação aqui. Isso foi muito
complicado, porque foi uma intervenção desnecessária, em troca de não sei o
quê. Tivemos que largar na mesa mais de R$ 4 milhões sem nenhuma utilidade”,
relata.
AJ
diz não saber de indicação
Procurado
pelo Metrópoles, Quintino Fleury afirmou que não foi consultado pela Sices
sobre a contratação e que nunca indicou o advogado Fabio Garcia a nenhum
serviço junto à empresa. “O doutor Fabio é o titular de um dos maiores e mais
conceituados escritórios tributários e empresariais do estado de São Paulo e,
assim, presta serviços desta natureza para diversas empresas. Por um acaso,
minha esposa trabalha no escritório como advogada civilista, não advogando na
área de inadimplência ou tributária”, afirma.
Durante
a apuração desta reportagem, e antes do contato do Metrópoles com o
juiz Marcello Perino e o irmão dele, o empresário Eduardo de Meira procurou a
reportagem para afirmar que havia em curso uma “injustiça” contra o magistrado
e seu irmão. Ele demonstrou ter acesso a detalhes do caso que estava em
apuração e disse que faria a intermediação de uma eventual conversa com os
irmãos Perino para esclarecimentos. Questionado sobre a abordagem do
empresário, Fernando Perino disse que não o conhece e que jamais autorizou esse
contato. O juiz Marcello Perino não se manifestou.
Fonte: Metrópoles
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