A lei que
transformou parte de uma Zona Especial Ambiental (ZEA) em uma zona residencial,
no município do Crato, preocupa ambientalistas e o Ministério Público Estadual
(MPCE). Isso porque uma área protegida, de aproximadamente 15 hectares, seria
afetada com a vinda do setor imobiliário para a região. O promotor de Justiça
Thiago Marques, da Comarca do Crato, afirma que o MPCE seguirá adotando medidas
em busca da preservação da área, mesmo com a aprovação da lei. A região afetada
pela mudança é equivalente a 15 campos de futebol.
“Nós encaminhamos uma
recomendação ao prefeito para que ele não aprove qualquer empreendimento
imobiliário naquela localidade, pelas razões do próprio veto que ele apresentou
originalmente. Se, eventualmente, algum empreendimento vier a ser aprovado, aí
vamos ingressar com as ações judiciais cabíveis, alegando a
inconstitucionalidade indireta e incidental dessa lei”.
O Centro Operacional de Meio
Ambiente do Ministério Público (Caomace/MPCE) prestará apoio aos promotores do
município na apuração sobre a decisão dos vereadores.
Em 21 de dezembro de 2020, o
projeto, de autoria do vereador Pedro Alagoano (PSB), foi votado e aprovado
pela Câmara Municipal cratense. O projeto chegou a ser vetado pelo prefeito,
mas o veto acabou sendo derrubado pelos legisladores do município. A nova lei
permite que, na região, cada hectare receba até 250 habitantes.
Stephenson Ramalho de Lacerda,
secretário de Meio Ambiente e Controle Urbano do Crato, diz compreender a
preocupação gerada em torno do tema.
“O veto do Prefeito já dá o norte
de qual é a nossa linha de ideia. A desafetação da área não quer dizer que a
construção de um empreendimento foi aprovada, ele tem que passar pelas normas
de empreendimento, e se a área for passível ou não de licenciamento, a
legislação e o estudo técnicos é que vão dizer isso”.
Segundo o secretário, ainda não é
possível afirmar que a intervenção no local poderia agravar os problemas com
enchentes no município. Entretanto, para o biólogo Márcio Holanda, os prejuízos
são notórios.
“Essa área de encontro entre os
dois rios é uma vazante. Local onde esses rios se espalham quando chove e
ocupam essa área. Há uma absorção dessa água, é uma região pantanosa e
alagadiça. Quando chove, toda essa área fica alagada”, explica.
Para o biólogo, a dimensão do
impacto ambiental é gigantesca para a região, além de ocasionar futuros
problemas para a parcela da população que ocupar o local.
“Quando se permite a construção
de edificações, vamos ter a impermeabilização do solo. Não tem para onde essa
água escoar. A impermeabilização destrói todo esse ecossistema de animais e
plantas, tudo isso será afetado diretamente”, diz.
Márcio destaca ainda que o
projeto passou por alterações que agravam a situação no local. Originalmente, o
projeto previa a alteração de cerca de cinco hectares da Zona Especial
Ambiental (ZEA). Porém, o projeto foi aprovado permitindo alteração em quase o
triplo da área original.
“Além do sítio Monte Alegre (com
cerca de cinco hectares), também entrou o Sítio Passagem, que possui mais de
nove hectares. Foi um ‘erro grotesco’, a lei saiu com as duas áreas, eles nos
enganaram diretamente”, afirma o biólogo.
O procurador Thiago Marques
esclarece que a aprovação da lei não seguiu os trâmites necessários para a sua
alteração.
“Existem razões jurídicas e
ambientais para que essa lei não seja aprovada. Quando o projeto de lei foi
aprovado, houve um acréscimo na área, sem que isso tenha ficado claro na sessão
legislativa”.
Marques explica que para a
alteração da lei de desafetamento de áreas de proteção ambiental, a discussão
legislativa precisa vir acompanhada de audiências públicas e de um estudo
técnico. Segundo o promotor, o projeto de lei não tem nenhuma das duas.
Risco para o soldadinho-do-araripe
A mudança na lei ambiental no
município de Crato, que afeta diretamente a Zona Especial Ambiental (ZEA),
permitindo a ocupação residencial na área, ainda pode trazer sérios problemas
para uma espécie de ave que vive em perigo crítico de extinção, o
soldadinho-do-araripe.
“Essa ave só se reproduz em
nascentes de água, ao longo das nascentes do rio Batateiras é onde temos a base
do soldadinho-do-araripe. Teríamos grande impacto no rio, que é a casa dele”,
destaca o biólogo Márcio Holanda. O habitat do soldadinho é restrito a menos de
30 quilômetros quadrados nas encostas da Chapada do Araripe, na divisa entre
Ceará e Pernambuco, segundo os pesquisadores.
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