O Ministério Público Federal em Brasília pediu à Polícia Federal
a abertura de inquérito criminal para investigar suspeitas sobre o chefe da
Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), Fabio
Wajngarten.
O objetivo
é apurar supostas práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recursos
públicos feito por funcionário público, para proveito pessoal ou alheio) e
advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração
pública, valendo-se da condição de servidor).
As penas
previstas para os dois primeiros crimes variam de 2 a 12 anos de prisão, além
de multa. No último caso, aplica-se detenção de um mês a um ano.
A solicitação do MPF foi motivada por reportagens da Folha de S.Paulo,
publicadas desde o último dia 15, que mostraram
que Wajngarten é sócio majoritário de uma empresa que recebe
dinheiro de emissoras de TV (entre elas Record e Band) e de agências de publicidade contratadas pela própria Secom, ministérios
e estatais do governo Jair Bolsonaro. Na gestão de Wajngarten, essas
empresas passaram a receber fatias maiores da verba publicitária da
Secom.
O despacho
requerendo a investigação da PF foi assinado nesta segunda-feira (27) pelo
procurador Frederick Lustosa, da Procuradoria da República no Distrito Federal,
após o órgão receber representações de diversos cidadãos, baseadas nas
notícias. O caso correrá em sigilo.
A nova
frente de apuração é a primeira de caráter criminal a ser aberta. Procurado
nesta segunda-feira (28), Wajngarten não se manifestou. Ele tem negado
irregularidades.
Wajngarten,
que não tem foro especial no Supremo Tribunal Federal, também é alvo de
processo administrativo no TCU (Tribunal de Contas da União) por suposto
direcionamento político de verbas de propaganda para TVs consideradas próximas
do governo, principalmente Record, SBT e Band. Isso afrontaria princípios
constitucionais, entre eles o da impessoalidade na administração pública.
Quando
constata irregularidades, a corte aplica ao gestor sanções como multas e
afastamento de cargos públicos. Também pode impor o ressarcimento de eventuais
prejuízos à União. A Comissão de Ética Pública da Presidência, por sua
vez, avaliará a atuação dele por possível conflito de interesses público e
privado.
A
legislação que trata do tema proíbe integrantes da cúpula do governo de manter
negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas
decisões. Entre as penalidades previstas está a demissão do agente público. A
prática também pode configurar ato de improbidade administrativa, se
demonstrado o benefício indevido.
A comissão
enviou um ofício ao chefe da Secom para que ele se pronuncie sobre o caso. O
documento foi assinado na última quarta-feira (22) e concede um prazo de dez
dias, contado a partir da intimação, para a resposta.
Com esse
período de defesa prévio, a decisão da comissão sobre abertura de inquérito
contra Wajngarten por conflito de interesses não deve ser tomada na reunião
desta terça-feira (28), ficando para 19 de fevereiro.
O ofício é
de autoria do conselheiro Gustavo do Vale Rocha, relator de três das quatro
denúncias apresentadas contra o chefe da Secom. Elas partiram de PT, PSOL e PC
do B. A quarta tem como relator o presidente da comissão federal, Paulo
Henrique dos Santos Lucon, que também deve respeitar o prazo de resposta de
Wajngarten.
A
reportagem apurou que, atualmente, a maioria dos integrantes da comissão avalia
que o secretário incorreu em conflito de interesses. Em caráter reservado,
eles identificam indícios de irregularidade, o que justificaria a aplicação de
uma penalidade ética.
Caso ele
seja considerado responsável, são previstas punições como advertência pública,
censura ética ou, em casos mais graves, recomendar ao presidente a exoneração
do servidor. Cabe ao presidente seguir ou não a sugestão.
Questionado
em mais de uma oportunidade sobre o caso, Bolsonaro reagiu com irritação e
chegou a mandar uma repórter da Folha de S.Paulo calar a boca.
O presidente tem resistido a pressões
para exonerar o secretário.
"Se
foi ilegal, a gente vê lá na frente", afirmou em 16 de janeiro, um dia
após a publicação da primeira reportagem.
Entenda a suspeita contra o secretário
Como
noticiou a Folha de S.Paulo, Wajngarten assumiu o comando da pasta em abril de
2019 e, desde então, se mantém como principal sócio da FW Comunicação, que
fornece estudos de mídia para TVs e agências, incluindo mapas de anunciantes do
mercado. Também faz o chamado checking, ou seja, averiguar se peças
publicitárias contratadas foram veiculadas.
Record e
Band são clientes da empresa; o SBT a contratou até o primeiro semestre do ano
passado. Na gestão do secretário, as três emissoras passaram a ter percentuais
maiores da verba publicitária para TVs, enquanto a Globo - líder de audiência e
tratada como adversária pelo governo Bolsonaro - viu suas receitas despencarem
a um patamar mais baixo que o das concorrentes.
A FW
também recebe de três agências responsáveis pela publicidade da Caixa
Econômica, a título de fazer a checagem da veiculação de anúncios. As três têm
contratos com vários órgãos do governo. A Artplan é uma das três
contratadas da própria Secom e, após Wajngarten assumir o cargo, passou a ser a
líder em recursos da pasta.
O
secretário se cercou, no governo, de auxiliares ligados à sua própria empresa
ou com vínculos no mercado privado de publicidade. Escalou para a função
de secretário-adjunto, número dois na hierarquia da Secom, o empresário Samy
Liberman, irmão do administrador da FW, Fabio Liberman.
Wajngarten
sustenta que não há conflito de interesses em sua atuação. Argumenta que os
contratos de FW com as fornecedoras do governo são antigos. Afirma ainda
que está de acordo com a lei que prevê o regime jurídico dos servidores
públicos, pois passou a administração de sua empresa a Liberman antes de
assumir o cargo na Secom.
O
secretário se diz vítima da perseguição de grupos de mídia monopolistas, os
quais não nomeia, e acusa a Folha de S.Paulo de fazer mau jornalismo.
Questionado pela reportagem em mais de uma oportunidade, o
secretário não apresentou a lista completa dos clientes de sua empresa, bem
como os valores que recebe de cada um.
Fonte:DN