Foram
necessários apenas 40 minutos de chuvas, no sopé da Chapada do Araripe, no
Crato, na noite da última segunda-feira (18), para que a população vivesse
novamente uma noite de terror e medo. Precipitações de 120 milímetros fizeram o
canal do Rio Granjeiro transbordar. A lama invadiu casas e prédios comerciais,
carros foram arrastados e famílias ficaram desabrigadas. Um problema antigo que
já causou muito estrago.
Nem mesmo o
sistema de acompanhamento ligado ao Centro Nacional de Monitoramento e Alertas
de Desastres Naturais (Cemaden), que é interligado ao Centro Nacional de
Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) ajudou desta vez. O equipamento
permite que o volume da água seja acompanhado 24 horas e emite alertas em
situações de emergência. Porém, ontem, ele não funcionou. "Foi muito
atípico. Aconteceu muito rápido. A gente não recebeu nada do sistema de
alarme", lamenta a coordenadora da Defesa Civil do Crato, Josemeire Melo.
Até
agora, a Defesa Civil do Crato não confirmou se houve falha no equipamento ou
na transmissão do alerta. A equipe do Sistema Verdes Mares entrou em contato
com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), mas não obteve
resposta até o fechamento desta matéria. O fato é que o estrago ocorreu mesmo
com esse sistema de alerta, que passou a funcionar desde 2011 após uma ocorrência
de transbordo do rio que afetou 3.200 pessoas.
No dia 28 de
janeiro daquele ano, uma precipitação de 162 milímetros caiu no Crato. Nove
famílias ficaram sem abrigo com suas casas totalmente destruídas. O canal do
Rio Granjeiro teve que ser reconstruído, assim como algumas de suas pontes. No
relatório da Defesa Civil do Município, 111 pessoas ficaram desalojadas.
Calcula-se que o prejuízo, na época, tenha sido de mais de R$ 50 milhões.
Prejuízos
Ano passado,
novamente, mais destruição. No dia 11 de fevereiro, uma chuva bem menor, de 52
milímetros, foi suficiente para quebrar parte da parede do canal no Crato. Além
disso, várias ruas apresentam rachaduras na pavimentação e aparição de buracos.
Imediatamente, foram iniciadas obras na área. Foi preciso até criar um muro de
contenção no local.
Ano passado, o
antigo secretário de Infraestrutura do Crato, Luiz Wellington Brandão, em
entrevista ao Diário do Nordeste, classificou o canal do Rio Granjeiro como
"Canal do Medo". "Ninguém pode desviar o leito de um rio, como
fizeram. Sempre vai haver problema", pontuou na época. O ex-gestor disse
que era necessário implantar um serviço definitivo, seja aumentando a vazão do
canal ou criando barragens para amortecer o impacto da água desde a Chapada do
Araripe.
O atual
secretário de Infraestrutura, José Muniz, conta que alguns especialistas já
discutiram o assunto e ressaltaram que a melhor saída é a construção de
barragens no percurso para diminuir a velocidade da água. "Ela chegaria
controlada ao Município. As águas vêm numa velocidade imensa. Mas barragem é
uma coisa crítica. Tem que ter bastante controle e manutenção", adverte.
Além disso, o gestor calcula que só a elaboração do projeto custaria cerca de
R$ 1 milhão e toda a obra giraria em torno de R$ 60 milhões. "A gente
precisa de apoio dos governos Federal e Estadual", completa.
Paliativos
Enquanto
isso, anualmente é feita uma limpeza no canal. "O principal trabalho de
prevenção é fazer o desassoreamento. Hoje, está bastante assoreado. Enquanto
não faz a construção de um novo canal e um estudo delicado, essa é a
medida", explica. Após o desastre da última segunda-feira, 110 homens
trabalharam na remoção da lama das ruas com apoio de 10 máquinas. Além disso,
equipes de assistentes sociais foram acionadas para retirar moradores das áreas
de risco. Três famílias que moram em barracos improvisados na Avenida José
Alves de Figueiredo, na beira do canal do Rio Granjeiro, foram removidas e
deverão receber aluguel social, pago pelo Município. Lá, a água atingiu a
altura de mais de um metro.
A família do
catador Francileudo Firmino de Farias, por exemplo, perdeu móveis e alimentos.
Inclusive, animais de estimação morreram afogados. O material que recolhe na
reciclagem também foi levado pela chuva. Com a noite em claro, passado o susto,
só as crianças conseguiram dormir no início da manhã, do lado de fora da casa ,
na calçada. "Foi questão de minuto. Nós nos agoniamos. Tiramos o que era
necessário. A coisa mais feia do mundo. O que perdemos, vamos trabalhar pra
recuperar", acredita.
A chuva forte
também ocasionou uma morte. O vaqueiro José Guilherme Pereira de Sousa, de 25
anos, morreu após ser levado pela forte correnteza que se formou no Rio
Batateira - outro curso de água que corta o Crato.
Preocupação
As alterações
urbanas, como a própria mudança do curso do Rio Granjeiro, com a construção do
canal em 1957 preocupou pesquisadores do Cariri. O Crato convive com expansão
horizontal em locais que, em tese, não deveriam ser ocupados. Em abril do ano
passado, foi aprovado um projeto de lei que afeta uma das Zonas Especiais
Ambientais (ZEA). Com pouco mais de 70 hectares, localizado no corredor do Rio
Batateira, a ZEA-5 se tornará um grande loteamento. "Isso pode causar um
risco ambiental de médio a longo prazo", alerta o professor de Geografia
da Universidade Regional do Cariri (Urca), Edmar de Sousa.