Para os promotores eleitorais que atuam no Ceará,
o pleito municipal de 2016 ainda não acabou, mas já é hora de pensar sobre
desafios e mudanças que prenunciam a eleição geral do ano que vem. Afinal,
enquanto dedicam esforços à análise de uma lista de 12 mil doadores de campanha
que podem ter feito doações acima do limite previsto pela lei na disputa
eleitoral de 2016, eles também têm buscado atualização sobre as alterações na
legislação eleitoral impostas pela Reforma Política aprovada no Congresso
Nacional em outubro último. Quem diz isso é o promotor de Justiça Emmanuel
Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do
Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
Em entrevista ao Diário do Nordeste, ele
reconhece avanços pontuais nas regras do pleito do ano que vem, mas, de modo
geral, vê a Reforma Política como limitada, por ter mantido "pontos
estruturais negativos" no sistema político brasileiro e não ter avançado
rumo a garantir maior representatividade e reduzir o número de candidatos.
Emmanuel Girão também explica que, por se tratar
de uma eleição geral, a atuação do Ministério Público em 2018 ficará,
centralmente, a cargo do procurador regional eleitoral (PRE), Anastácio Nóbrega
Tahim Júnior, em esfera estadual; e da procuradora geral eleitoral (PGE),
Raquel Dodge, em âmbito nacional - ambos vinculados ao Ministério Público
Federal (MPF). De acordo com ele, aos promotores eleitorais, que são membros do
MPCE, caberá atuar, prioritariamente, na fiscalização do poder de polícia sobre
a propaganda eleitoral.
Cobranças
O coordenador do Caopel, órgão que auxilia a
atuação do MPCE na esfera eleitoral, faz tal diferenciação de competências para
esclarecer, por exemplo, como o Ministério Público pode responder às cobranças
de deputados estaduais que, na Assembleia Legislativa, têm denunciado a prática
de campanha antecipada por secretários que são pré-candidatos ao Legislativo
Estadual no ano que vem.
"Estão dizendo que secretários de Estado já
estariam em campanha. Isso poderia caracterizar abuso de poder político,
condutas vedadas, mas essa fiscalização fica a cargo da Procuradoria Regional
Eleitoral, porque o promotor eleitoral atua mais sobre a fiscalização do poder
de polícia sobre a propaganda. Esses casos de impugnação de registro por
conduta vedada vão ficar a cargo do procurador regional ou da procuradora
geral", detalha. Ele frisa, porém, que o PRE "está adotando algumas
providências" quanto aos casos que têm sido denunciados.
Com a extinção de zonas eleitorais no Estado,
cuja quantidade caiu de 123 para 109 após rezoneamento do Tribunal Regional
Eleitoral (TRE) em cumprimento a uma determinação do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), contudo, Girão ressalta que também diminuirá o número de
promotores eleitorais em atuação no Interior do Estado, o que poderá
representar "dificuldades" no trabalho fiscalizador do órgão durante
o pleito.
Distribuição
"Nós já tínhamos dificuldade pelo fato de
não ter um promotor em cada cidade, e assim a gente compensava porque, nos
três, quatro dias anteriores à eleição, a gente conseguia mandar promotores aos
municípios. Agora, vamos ter que mandar mais promotores extras para trabalhar
nos dias que antecedem a eleição, na eleição e na apuração. Vai dar trabalho,
porque na maior parte do período da campanha vão ficar só o juiz e o promotor
da zona", cita o coordenador do Caopel, lembrando que, no Ceará, há zonas
eleitorais que atendem às demandas de mais de um município.
Já ao tratar das mudanças na legislação para
2018, o promotor considera que a Reforma Política aprovada no início de outubro
foi "basicamente pontual", já que "só alguns pontos periféricos
foram alterados". Além disso, para ele, nem todas as novidades são
positivas. Dentre elas, Emmanuel Girão destaca a aprovação da criação de um
fundo de financiamento público estimado em R$ 1,7 bilhão para custear as
campanhas, uma vez que, conforme defende, o financiamento público poderia
funcionar em um sistema de lista fechada, mas não no modelo atual do Brasil.
"O nosso financiamento é misto, já tinha uma
parte pública, que se dava pela distribuição do Fundo Partidário e do horário
eleitoral gratuito, e uma parte privada, através de doações. Eles colocaram
muito mais dinheiro nesse novo fundo, sem mudar nada no Fundo Partidário",
critica. "De certa forma, estão querendo criar um financiamento público,
só que o nosso sistema eleitoral não é compatível com financiamento público,
porque temos um número muito grande de candidatos", aponta.
Ademais, o promotor diz que "esse dinheiro
vai ser repassado aos partidos e eles vão gastar como quiserem", o que
pode motivar desigualdades internas entre candidaturas. "O partido pode
beneficiar apenas uma pequena parcela de candidatos em detrimento de uma
maioria", menciona. Por outro lado, Girão ressalta que a possibilidade de
financiamento coletivo pela Internet, também aprovada na Reforma, pode
"equilibrar" campanhas. "Mas como a gente sabe que o eleitor não
tem a tradição de fazer doação e desconfia dos políticos, talvez não haja um
grande número de doações por financiamento coletivo".
Caixa 2
Na avaliação do promotor, a criação do fundo
público de financiamento foi aprovada no Congresso como consequência do
entendimento de uma parcela da classe política que projeta dificuldade para
conseguir doações de campanha por Caixa 2 em 2018. Para ele, contudo, a
ilicitude ainda deve estar presente no pleito do ano que vem.
"Não é que tenha mudado a cultura, o
mecanismo da campanha. Acho que vai continuar tendo Caixa 2. Agora, o que acho
que mudou é que alguns empresários estão com receio de entrar nesse sistema de
Caixa 2, porque a gente observa que, na Lava-Jato, os políticos que têm foro
privilegiado estão tranquilos, nos seus lugares, no máximo o Supremo autorizou
a instalação de inquérito, enquanto empresários foram presos. Talvez eles
tenham sentido uma retração desse dinheiro que entrava nas campanhas e usaram a
alternativa desse fundo", analisa.
Campanha de 2016
Neste segundo semestre, o coordenador do Caopel
informa que os promotores eleitorais do Ceará trabalham na análise de uma lista
de 12 mil doadores de campanha que, segundo a Receita Federal, podem ter
ultrapassado o limite legal para doações eleitorais em 2016. De acordo com ele,
o órgão tem até o dia 19 de dezembro para ajuizar representações ou arquivar as
doações em investigação.
Enquanto isso, Emmanuel Girão destaca, também, a
necessidade de formação diante das mudanças na legislação válidas para 2018. Na
Semana do Ministério Público, a ser realizada entre 13 e 15 de dezembro, por
exemplo, ele diz que o Centro de Apoio Operacional Eleitoral levará aos
promotores informações sobre as alterações.
"O que atrapalha muito o planejamento é essa
constante mudança na lei. Em 2018, o nosso trabalho é mais de retaguarda e de
apoio à fiscalização da Procuradoria Regional e da Geral. Acredito que, na
questão da propaganda na Internet, vai haver mais fiscalização dos partidos,
reciprocamente, do que do Ministério Público Eleitoral, então ações que podem
acontecer para tirar propaganda do ar, de rede social, acredito que ficam a
cargo dos próprios partidos. O Ministério Público vai se preocupar mais com o
uso do patrimônio público, com compra de votos".
Fonte: DN