EVENTUAL CANDIDATURA DE MEIRELLES PODE TRAZER RISCOS A REFORMAS. No Congresso, cenário é visto com ressalva. Analistas defendem ajustes.





Por Marcello Corrêa / Karla Gamba (estagiária sob supervisão de Eliane Oliveira)
A eventual candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à Presidência da República tem sido vista com ressalvas por alguns líderes de partidos na Câmara. Tanto aliados do governo quanto da oposição dizem que ainda é cedo para falar em nomes e que uma possível pré-candidatura do ministro poderia interferir no andamento de reformas, como a da Previdência. Entre economistas, a visão é que o maior risco para as reformas é a preocupação do Congresso com o custo político da votação de medidas impopulares, independentemente de quem estiver na corrida para o Planalto.

A confirmação de que se considera “presidenciável” foi dada pelo ministro à revista “Veja” nesta semana. Nos dias seguintes, ele negou estar no páreo, e ontem chegou a dizer que não concorrerá ao cargo “em hipótese alguma”.
— Não tomo decisões por antecipação, como tem sido uma prática na minha carreira. Até porque decisões por antecipação são uma perda de tempo — disse Meirelles, em entrevista à Rádio Gaúcha.

Mas as possíveis repercussões já circulam entre parlamentares. Para o líder do Democratas, deputado Efraim Filho (DEM-PB), o momento não é de pensar em nomes para a disputa do pleito, e a presença de Meirelles na lista de presidenciáveis “mais atrapalha do que ajuda” nas reformas.
— É hora de focar numa agenda que seja boa para o Brasil. Nós temos uma tarefa difícil, que é fazer a travessia desse fim de 2017. Acredito que a melhor estratégia é deixar 2018 para ser discutido em 2018, e não antecipar a discussão de candidaturas, especialmente de nomes — declarou o líder do DEM.
O deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP), líder do PSDB na Câmara, também criticou a antecipação do debate sobre possíveis presidenciáveis.
— Acho que é prematuro lançar qualquer candidato agora, e não vejo isso como algo benéfico para o avanço das reformas. Eleição é só o ano que vem, agora é um ano de estabilizar o país. Você não pode provocar e antecipar um processo que nem começou. Nós ainda temos grandes desafios e não podemos jogar o país numa aventura — defendeu Ricardo Trípoli.
Do lado da oposição, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), líder do partido, disse acreditar que a reforma da Previdência já encontra dificuldades para avançar. Mas ele reconheceu que uma provável candidatura do ministro da Fazenda pode ajudar a compôr forças entre aqueles que se opõem ao próprio ministro e às reformas.
— A reforma da Previdência já está com dificuldade de avançar pela impopularidade dela, pela forma como ela foi elaborada, sem nenhuma interação e discussão com a população. O Meirelles fica fazendo essas afirmações no sentido de que vai votar só para agradar o mercado. Agora, evidentemente que ele, na medida em que aparece como candidato, acaba aglutinando as forças que são contra ele e contra as propostas dele também, e isso não ajuda o camarada a ser candidato — disse Zarattini.
Já no partido do ministro, o PSD, a perspectiva é mais otimista. O líder da sigla na Câmara, deputado Marcos Montes (MG), reconheceu que ainda é cedo para colocar nomes, mas disse que a bancada da legenda tem reivindicado a candidatura de Meirelles:
— Acho que não atrapalha as reformas. Pelo contrário, o risco é exatamente pelo momento que nós estamos, não por uma eventual candidatura. Nós conversamos com ele há um mês com a ideia de colocar seu nome para a avaliação da sociedade e da própria imprensa. E ele é muito competente, não tem ainda aquele verniz político que precisa ter, mas o nome dele está colocado, de uma forma até um pouco cedo. Cabe agora avaliar. Se vai ser uma candidatura que se viabilizará e terá competitividade, só o tempo dirá.
DEPUTADOS SERÃO CANDIDATOS
A aprovação de reformas como a da Previdência é vista como fundamental por boa parte dos economistas. Na avaliação de José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV, os deputados estarão mais preocupados com as próprias candidaturas, seja agora, seja em 2018, e esse seria o principal risco, não a declaração de Meirelles. Ele acrescenta que vê como urgente o avanço da medida.
— A reforma deve vir em ondas, não com uma bala de prata com abrangência sobre todas as mudanças. Então, quanto antes começar essa caminhada, melhor. A economia sem as reformas está muito vulnerável — afirma o economista.
Já Luiz Roberto Cunha, professor de economia da PUC-Rio e um dos intelectuais ligados ao PSDB, acredita que a fala do ministro cria um ruído, em um cenário já conturbado por um cenário político difícil.
— Se a declaração for interpretada como uma vontade, de fato, de o Meirelles concorrer, pode criar um prejuízo para a negociação das reformas. Nesse quadro muito fragmentado, de candidaturas, principalmente pelo centro, obviamente não é hora de mais gente ficar criando ruído — afirma Cunha.
Apesar de admitir o risco de turbulência, Cunha não acredita que Meirelles, em uma eventual campanha, deixará o lado candidato interferir na defesa das reformas. Principalmente porque considera que o ministro sabe que, sem uma sinalização positiva sobre as medidas, será mais difícil para qualquer um tocar o país a partir de 2019.
— Mesmo candidato, ele não poderia deixar de trabalhar pelas reformas. Ele só teria chance de ser candidato mais à frente com a economia se recuperando — completa.

O GLOBO