Objetivo é analisar até o fim do ano os outros núcleos da trama golpista e entrar no ano eleitoral em uma fase de menos atritos
Após condenar Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados,
o Supremo Tribunal Federal (STF) terá pela frente nos próximos meses mais
julgamentos sobre a tentativa de golpe de Estado, a iminente prisão do
ex-presidente e novos desdobramentos de investigações que atingem o bolsonarismo.
A Corte já vislumbra, no entanto, uma mudança de foco a partir de 2026. O
objetivo é analisar até o fim do ano os outros núcleos da trama golpista e
entrar no ano eleitoral em uma fase de menos atritos. A posse do discreto
ministro Edson Fachin na presidência do tribunal, daqui a duas semanas, também
é encarada como um fator que pode reduzir a tensão.
Integrantes
do STF reconhecem, contudo, que ainda haverá momentos de turbulência a curto
prazo. O caso das emendas, com parlamentares na mira e que já provocou trocas
de farpas entre integrantes do Congresso e do Judiciário, tem à frente o
ministro Flávio Dino. A avaliação de interlocutores do Supremo é que essas
apurações devem ganhar ainda mais expressividade até o fim do ano, com o avanço
das apurações.
No
horizonte próximo da Primeira Turma, a mesma que sentenciou Bolsonaro, está o
julgamento do núcleo 4, o “grupo da desinformação”, que está em fase de
alegações finais. No dia 3 de setembro, o procurador-geral da República, Paulo
Gonet, encaminhou ao tribunal o pedido de condenação dos sete acusados de
espalhar informações falsas, como ataques à credibilidade do sistema eleitoral,
para insuflar o discurso golpista. A partir da entrega dos argumentos das
defesas dos réus, a análise da ação poderá ser solicitada pelo ministro
Alexandre de Moraes.
As
ações penais que tratam dos demais grupos da trama golpista também estão em
fase de conclusão. Em 25 de agosto, Moraes abriu prazo para que a PGR e as
defesas dos réus do núcleo 3, integrado pelos “kids pretos”, apresentassem seus
argumentos. O mesmo procedimento foi adotado na semana passada no caso do
núcleo 2, conhecido como “operacional”, que tem no alvo nomes como o
ex-assessor presidencial Filipe Martins e o ex-diretor da Polícia Rodoviária
Federal (PRF) Silvinei Vasques.
‘Espírito
de resiliência’
Para o
ex-ministro Celso de Mello, contudo, a Corte já soube superar adversidades e
suportar pressões em outros momentos da História, e tem demonstrado mais uma
vez “dignidade institucional” para manter sua missão constitucional.
— E é
exatamente desse espírito de resiliência, dessa vocação de permanência e dessa
incontornável lealdade à ordem democrática que deriva a legitimidade da Suprema
Corte do Brasil — afirmou Mello.
O
julgamento dos demais processos da trama golpista ocorrerá com Fachin na
presidência. Ele toma posse no dia 29 no lugar de Luís Roberto Barroso, com
Moraes como vice. A dobradinha repete a formação feita em 2022 no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE).
Com uma
postura definida pelos colegas como “institucional”, Fachin deve buscar tirar o
Supremo dos holofotes e dar novo fôlego às relações com o Congresso — missão
que internamente é considerada difícil, mas vista como viável para o ministro,
que presidiu a Corte Eleitoral em 2022, às vésperas das eleições. O estilo do
gaúcho que cresceu no Paraná é comparado pelos pares ao da ministra aposentada
Rosa Weber, conterrânea conhecida pela postura reservada.
No
Supremo, a expectativa é que Fachin lidere a apresentação de uma proposta de
código de conduta para os magistrados. Em 2024, durante palestra realizada no
STF, o ministro afirmou que “comedimento e compostura são deveres éticos, cujo
descumprimento solapa a legitimidade” da magistratura.
Na
visão do professor de Direito Constitucional Rubens Glezer, da FGV-SP, o futuro
presidente da Corte demonstra intenção de levar o STF à normalidade, buscando
reduzir a interferência do tribunal na política e debater questões como o
excesso de decisões individuais de ministros. Ele observa, entretanto, que
haverá obstáculos.
— O
presidente do Supremo não manda nos outros ministros. Então vai precisar que
haja uma coalizão das pessoas que estão pensando as reformas do tribunal em
prol do seu fortalecimento e de calibrar o regime de separação de Poderes, de
fortalecer a democracia — observa o acadêmico.
Antes
de chegar à esperada etapa com menos choques, há ainda acontecimentos com
potencial de causar estremecimentos. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por
exemplo, já foi indiciado pela Polícia Federal por coação a autoridades no
curso do processo da trama golpista e tentativa de abolição do Estado
Democrático de Direito, o que pode levar a PGR a apresentar uma denúncia nos
próximos meses — o próprio Bolsonaro é investigado neste caso. A ida do
ex-presidente ao regime fechado, o que deve ocorrer até o fim do ano, é outro
episódio que pode inflamar os ânimos.
— O
Supremo vai prosseguir, e o fato de ser atacado faz parte do processo. Mas as
agressões, as ameaças, as irresignações também vão seguir, é uma parte desse
momento que estamos vivendo — afirma o ex-presidente do STF Ayres Britto, que
comandou o tribunal durante outro julgamento considerado histórico, o do
Mensalão.
A
possibilidade de novas sanções a ministros por parte dos Estados Unidos e os
embates com o Congresso em torno da anistia, das emendas parlamentares e da
decisão que cassa o mandato do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) também estão
no horizonte. Sobre a anistia, Dino e Moraes deram o tom do STF quando
afirmaram durante o julgamento ao indicar que não há perdão possível, dentro da
Constituição, para crimes contra a democracia. Mesmo assim, uma parcela da
oposição tenta avançar com o tema, enquanto os presidentes do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vêm esfriando
o assunto.
Fator
Fux
A avaliação
no Supremo é que outro ponto de atenção para o futuro deve ser a nova dinâmica
da Primeira Turma, que mantinha uma posição coesa nos julgamentos — todos os
ministros seguiam Moraes — até o início do julgamento da trama golpista. A
análise do recebimento da denúncia, em março, anunciou o distanciamento que
passou a ser adotado por Luiz Fux, o que ficou consolidado com o voto
dissidente absolvendo Bolsonaro.
A
leitura na Corte é que o isolamento de Fux será inevitável pelos próximos
meses, e que é possível que o ministro incorpore de forma definitiva o papel de
“revisor” da ação penal da trama golpista durante a análise dos outros núcleos.
O placar de 4 a 1 deve ser frequente também no caso dos demais réus.
Outra
avaliação de quem acompanha os processos é que as divergências abertas pelo
ministro durante o julgamento, em especial a defesa da falta de atribuição da
Corte para julgar a trama golpista, também deve servir de munição para
bolsonaristas. Além disso, o longo voto com argumentos pela absolvição de
Bolsonaro tende a servir de subsídio para futuros recursos da defesa do
ex-presidente na própria Corte e em tribunais internacionais.
Fonte: Mariana Muniz - O Globo
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