Por Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados
O que define a sobrevivência
de uma empresa não é mais o tamanho do caixa, a margem de lucro ou o valor de
mercado. É a sua capacidade de proteger o ativo mais frágil e, ao mesmo tempo,
mais determinante que possui: a reputação. Ao longo das últimas décadas,
acompanhamos companhias robustas, com balanços sólidos e presença dominante no
mercado, simplesmente desmoronarem do dia para a noite. Não por falta de
dinheiro, mas porque perderam algo que não há balanço que recupere: a
confiança.
A Operação Carbono Oculto e o
impacto imediato
Recentemente, esse debate
ganhou uma nova dimensão com a deflagração da maior operação já realizada no
país contra o crime organizado. A “Operação Carbono Oculto” revelou um esquema
bilionário de corrupção, sonegação, lavagem de dinheiro e fraudes envolvendo
empresas do setor de combustíveis, fintechs, distribuidoras, fundos de
investimento, gestores de ativos e até instituições financeiras de renome.
Foram cumpridos 350 mandados de busca e apreensão em oito estados, incluindo 42
endereços na Avenida Faria Lima, centro nervoso do sistema financeiro
brasileiro. As estimativas são alarmantes: R$ 7,6 bilhões em tributos sonegados
e um potencial de até R$ 52 bilhões desviados entre 2020 e 2024. O esquema
utilizava metanol adulterado, empresas de fachada, ocultação de beneficiários
finais, operações financeiras complexas e, em muitos casos, coerção e ameaças a
empresários que não aceitavam participar.
A consequência imediata foi um
choque sistêmico. Bancos suspenderam linhas de crédito. Fundos congelaram
aportes. Parceiros cancelaram contratos. A desconfiança se espalhou com uma
velocidade que nenhuma empresa, envolvida ou não, poderia controlar. Mais uma
vez, um fato se impõe, crises reputacionais destroem valor com uma intensidade
e uma rapidez que crises financeiras jamais alcançam.
O erro das empresas:
subestimar riscos reputacionais, e a importância do compliance officer
O que torna essa discussão
ainda mais urgente é que muitas empresas seguem subestimando riscos
reputacionais, presas à lógica imediatista do lucro rápido. Para algumas
lideranças, o compliance ainda é visto como um entrave burocrático, um
departamento que “atrapalha o negócio” ou um custo desnecessário. Essa visão,
além de ultrapassada, é perigosa. Um programa de compliance efetivo não é um acessório,
é um pilar estratégico de sustentabilidade empresarial. Não basta existir no
papel, com manuais bem diagramados e políticas esquecidas em pastas digitais.
Precisa ser vivo, dinâmico e presente na cultura organizacional.
Isso só é possível quando o
compliance officer tem autonomia real. Não se pode exigir integridade de um
programa que responde diretamente ao humor do conselho, às pressões de
investidores ou às decisões de um único diretor financeiro. O responsável pelo
compliance precisa de independência para investigar, reportar e recomendar
ações corretivas sem sofrer represálias. Precisa ter acesso direto ao conselho
de administração, voz ativa nas decisões estratégicas e condições concretas de
atuação. Caso contrário, o programa se torna apenas um teatro corporativo, um
check-list para inglês ver, que não protege nada nem ninguém quando a crise
chega.
Outro ponto crítico é que
gestão de riscos não pode ser uma atividade pontual ou reativa. Ela deve ser
contínua, estratégica e mensurável. Empresas maduras sabem que risk assessment
não é um documento de gaveta, mas um processo essencial que precisa ser
atualizado no mínimo a cada dois anos, ou antes, se houver mudanças
regulatórias, de mercado ou no próprio modelo de negócio. Sem isso, a organização
fica cega diante de vulnerabilidades que podem ser exploradas por terceiros,
seja de forma criminosa, ou por simples falhas internas.
O caso da Operação Carbono
Oculto expôs justamente o efeito devastador da ausência de controles robustos.
A pulverização de empresas de fachada, o uso de fintechs para movimentar
bilhões de forma irregular, o acesso facilitado a linhas de crédito e a falta
de monitoramento efetivo revelam um ecossistema vulnerável. Essa fragilidade
não acontece por acaso. Ela é resultado direto da inexistência de processos
claros, de auditorias constantes, de diligência sobre fornecedores e de
monitoramento preventivo de transações críticas.
É nesse ponto que muitas
empresas ainda falham, enxergando o compliance como custo, quando deveriam
tratá-lo como investimento. Investir em controles, políticas, treinamento e
auditorias preventivas não é uma despesa, é um seguro de sobrevivência. Um
estudo da PwC, rede global de consultoria e auditoria, mostrou que 69% dos CEOs
globais acreditam que crises reputacionais destroem valor mais rápido do que
crises financeiras. Já a McKinsey & Company, empresa de consultoria
estratégica, analisou 600 companhias listadas em bolsa e constatou que duas em
cada três organizações que enfrentaram crises graves nunca recuperaram seu
valor de mercado, mesmo após três anos. Ou seja, deixar de investir na
prevenção sai infinitamente mais caro do que o custo de implantar programas
sólidos de integridade.
Uma pesquisa da Deloitte, rede
de auditoria e consultoria, revelou que 87% dos executivos de alto nível
consideram a reputação corporativa o ativo mais valioso de uma empresa, mas
apenas 41% afirmam estar preparados para protegê-la. Essa lacuna entre discurso
e prática explica por que tantas companhias são pegas de surpresa, acreditando
estar blindadas até o momento em que o escândalo explode.
Danos além das finanças
E quando explode, os danos não
se limitam ao balanço financeiro. A crise abala a confiança dos clientes,
desmotiva colaboradores, afasta talentos, provoca rupturas com fornecedores e
expõe fragilidades de governança. Muitas vezes, a erosão da cultura
organizacional se torna irreversível. Sem um ambiente de integridade genuíno,
líderes perdem credibilidade, equipes perdem engajamento e, aos poucos, a marca
perde relevância.
É fundamental compreender que
a gestão de crises não é responsabilidade de uma empresa de relações públicas
nem deve ser conduzida exclusivamente por advogados internos ou externos.
Embora comunicação e assessoria jurídica sejam partes importantes do processo,
a liderança da crise precisa ser da própria organização, envolvendo todas as
áreas estratégicas, com o compliance atuando como núcleo central. A preparação,
o monitoramento de riscos, a definição de protocolos e a coordenação das ações
dependem de quem conhece profundamente os processos internos, a cultura
corporativa e os riscos do negócio. Reduzir a crise a uma estratégia de imagem
ou a uma defesa jurídica é ignorar o verdadeiro impacto que um evento
reputacional pode ter sobre clientes, investidores, parceiros e colaboradores.
Uma abordagem integral, em que cada área entende seu papel e atua de forma
coordenada, é a única maneira de proteger a empresa de danos irreversíveis
Outro elemento indispensável é
a existência de comitês de crise bem estruturados, que devem funcionar de forma
prévia, com protocolos claros, papéis definidos e simulações periódicas.
Empresas resilientes testam cenários, treinam lideranças, criam fluxos de
comunicação com stakeholders e planejam respostas rápidas para diferentes
níveis de impacto. O improviso, nesses casos, não é uma falha, é uma sentença
de morte.
O recado que a Operação
Carbono Oculto deixa para o mercado é claro: integridade não é uma escolha, é
uma exigência. A governança corporativa precisa ser robusta, a gestão de riscos
precisa ser inteligente, e o compliance precisa ser tratado como investimento
estratégico, não como um mal necessário. A reputação é um patrimônio tão
valioso quanto o caixa e quando se perde, dificilmente se reconstrói.
No fim, a pergunta que cada
conselho, cada CEO e cada investidor precisa se fazer é “quanto custa a sua
reputação?”. Porque, se você não souber responder, o mercado responderá por
você e o preço será muito mais alto do que qualquer investimento preventivo que
poderia ter sido feito. Empresas que não entenderem isso agora, talvez não
tenham a chance de aprender depois.
Patricia Punder, é advogada e
compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no
pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do
“Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual
2020.
Com sólida experiência no
Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de
Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise
estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de
reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice),
SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).
www.punder.adv.br
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