Em datas comemorativas como esta, a criança sem a figura paterna precisa se sentir pertencente, e não diferente
À medida que o Dia dos Pais se
aproxima, é importante reconhecer a diversidade de experiências familiares e
adaptar as celebrações para que sejam significativas para todos. Adultos devem
auxiliar as crianças que não têm ou perderam a figura paterna a vivenciar este
dia de forma respeitosa, sem forçá-las a se encaixar em um padrão que não
reflete sua realidade.
Para a psicopedagoga e
escritora infantil Paula Furtado, o essencial é abrir espaço para que as
crianças compartilhem suas emoções, seja por meio de histórias, ilustrações ou
conversas, e que a ausência de um pai não diminui o valor de quem elas são, pois
família é quem cuida, acolhe e oferece amor, independentemente de papéis
tradicionais. “Em datas comemorativas como essa, a criança precisa se sentir
pertencente, e não diferente. Quando damos esse lugar de representação, ela
aprende que o amor tem muitas formas, e que ela faz parte de uma história cheia
de valor”.
Ainda segundo Paula, o
discurso social continua muito centrado em um modelo único de família, o que
pode ser emocionalmente desafiador para muitas crianças. Isso porque elas podem
se sentir diferentes, envergonhadas, tristes ou até com raiva. Muitas acabam
internalizando a ausência do pai como se fosse um problema delas — como se
estivessem erradas por não viverem dentro do ideal de “família perfeita”. A
escola, os amigos e até as propagandas frequentemente reforçam esse modelo de
pai herói, e isso traz a sensação, para quem não se encaixa nesse padrão, de
estar fora do roteiro.
“É um sofrimento silencioso
que precisa ser acolhido com empatia. Quando essa criança olha em volta e vê os
colegas com os pais, pode surgir um sentimento de inadequação e o
questionamento do porquê que com ela é diferente. Precisamos escutar isso com
muito cuidado e afeto”, explica a profissional.
A data também pode ser
transformada em uma oportunidade para ampliar o conceito de paternidade e
celebrar quem, de fato, oferece cuidado verdadeiro. Para isso, é preciso
validar os sentimentos que surgem dos pequenos e mostrar que há muitas formas
de ser cuidado e amado, seja por uma mãe solo, um avô, um tio, dois pais, um
padrasto ou até por uma rede de afeto. “Quem cuida, está junto e participa da
vida também merece reconhecimento. É importante que essa criança se sinta livre
para homenagear quem representa carinho e proteção em sua vida”, ressalta.
O papel da escola e da
comunidade também é fundamental nesse processo de preencher o vazio de forma
saudável. “Em vez de propor uma ‘atividade para o papai’, por que não uma
homenagem para ‘alguém especial que cuida de mim’? Isso evita o constrangimento
de crianças que não têm o pai presente e reconhece a diversidade das famílias”,
diz a profissional.
A psicopedagoga, que também é
contadora de histórias, completa que a literatura infantil é um recurso
maravilhoso para trabalhar a empatia entre as crianças para que compreendam e
respeitem colegas que têm diferentes configurações familiares. “Quando lemos
livros que apresentam famílias diversas, as crianças aprendem naturalmente que
o que importa é o vínculo afetivo. Também gosto de rodas de conversa e jogos
cooperativos que promovem escuta e respeito”, explica.
Em situações de luto, quando a
figura paterna já não está presente, é fundamental lidar com o Dia dos Pais com
delicadeza e respeito ao tempo emocional da criança. O luto não tem prazo e, em
datas comemorativas, é comum que a dor da ausência se intensifique. Em vez de
silenciar ou ignorar esse sentimento, é possível propor rituais simbólicos que
acolham a memória de forma afetiva — como escrever uma cartinha, acender uma
vela, fazer um desenho ou criar algo que represente uma lembrança boa. “O
importante é oferecer um espaço seguro onde a criança possa elaborar suas
emoções com liberdade, inclusive se ela optar pelo silêncio. Esse silêncio,
muitas vezes, também carrega significado e merece ser acolhido com a mesma
empatia e cuidado”, aconselha Paula.
Já em casos de pai ausente, o
mais importante não é substituir essa figura, mas construir novos vínculos.
Paula costuma trabalhar com imagens e metáforas para ajudar os pequenos a
reconhecerem quem são os seus “heróis do cotidiano” — aquelas pessoas que seguram
sua mão, escutam seu choro ou vibram com suas conquistas. “Essas figuras
merecem ser reconhecidas”, afirma. Atividades como contar histórias com
personagens inspiradores ou propor jogos que favoreçam a construção afetiva
ajudam a criança a compreender que não está sozinha e que o cuidado pode vir de
diferentes formas e pessoas.
Sobre Paula Furtado
Paula é pedagoga, formada pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com especialização em
Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia (Facon-SP), Educação Especial, Arte de
Contar Histórias e Arteterapia pelo Instituto Sedes Sapientiae e Leitura e
Escrita, também pela PUC-SP. A profissional já atuou como assessora pedagógica
em escolas públicas e particulares.
Paula Furtado atende crianças
e adolescentes com dificuldades de aprendizado, incluindo casos complexos
envolvendo traumas e situações de vulnerabilidade emocional. Nesta área da
educação, a pedagoga ministra cursos para formação de educadores nas instituições
de ensino público e particular e realiza palestras para pais sobre a
importância de contar histórias.
Autora de mais de 100 livros
infantojuvenis e criadora de jogos pedagógicos inovadores, Paula também escreve
para revistas especializadas em educação e infância.
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