16 policiais militares foram presos
preventivamente, por integrar o esquema de corrupção e extorsão. A participação
de um policial civil na quadrilha é investigada
A organização criminosa formada por policiais
militares, alvo da Operação Kleptonomos, deflagrada pelo Ministério Público do
Ceará (MPCE) na última terça-feira (29), era liderada por um cabo da Polícia
Militar do Ceará (PMCE), que dava ordens a militares de patentes superiores,
como sargentos e até um subtenente. 16 policiais militares foram presos
preventivamente, por integrar o esquema de corrupção e extorsão.
A informação consta na denúncia do Grupo de
Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do MPCE, contra
os 16 PMs, apresentada à Justiça Estadual no dia 21 de maio deste ano. A
denúncia foi recebida pela Vara da Auditoria Militar do Ceará e os agentes de
segurança viraram réus, no último dia 2 de julho. A defesa dos militares
criticou o fato de eles não serem ouvidos durante a investigação e sustentou
que a prisão dos policiais era desnecessária.
Os policiais militares são réus pelos crimes de
integrar organização criminosa; colaborar, como informante, com grupo,
organização ou associação destinada a praticar tráfico de drogas; e corrupção
passiva (este delito previsto no Código Penal Militar).
Veja a lista de PMs presos e denunciados:
Airton Uchoa de Sousa Pereira (soldado PM);
Alexsandro Barbosa Matias (soldado PM);
Alisson Pinto Silva (cabo PM);
Dalite Paulo Maia Pinheiro (soldado PM);
Danyvan Robert Souza da Silva (cabo PM);
Flauber Pereira Assunção (sargento PM);
Israel Rodrigues Costa (soldado PM);
José Dantes Barbosa Braga (cabo PM);
José Narcellyo do Nascimento Santana
(subtenente PM);
Luan Alberto da Silva Lopes (soldado PM);
Marcondes de Oliveira Braga (sargento PM);
Márcio Xavier Moreno (sargento PM);
Raimundo Gleison Ferreira Barbosa (sargento
PM);
Roberto Montenegro da Cunha Neto (cabo PM);
Tiago Daniel Martins Costa (cabo PM);
Thiago Monteiro da Costa (soldado PM).
Conforme a denúncia do MPCE, "foi possível
visualizar que o esquema criminoso em alusão tem como liderança a pessoa de
Alisson Pinto Silva, que era o responsável por repassar as ordens a serem
executadas pelos demais agentes que compõem o grupo investigado, atuando os
outros membros como executores de seus comandos, a fim de obterem
propina".
A organização criminosa tinha um grupo no
aplicativo WhatsApp, para conversar e articular os crimes. A liderança do cabo
Alisson foi identificada pela troca de mensagens entre os investigados e por
outros diálogos captados pelos investigadores.
Como exemplo, o Gaeco citou um diálogo em que o
cabo Alisson faz questionamentos e orientações ao seu superior (conforme a
patente militar) e comandante de uma viatura, o sargento Raimundo Gleison
Ferreira Barbosa.
Confira a conversa entre os PMs:
Sargento Barbosa: "Eu pesquisei um nome, e
apareceram apenas dois resultados. Um deles tem um mandado de prisão em
aberto."
Cabo Alisson: "E nenhum deles tem foto ou
endereço?"
Sargento Barbosa: "Não."
Cabo Alisson: "O mandado de prisão é pelos
crimes de 33 e 35?" (referindo-se a tráfico de drogas e associação para o
tráfico)
Sargento Barbosa: "Sim. A (Rua) Chico
Mendes está aqui?"
Cabo Alisson: "Pegue essas imagens, tire
um print e envie para o grupo."
A defesa de sete policiais militares
denunciados e presos, representada pelos advogados Manuel Micias Bezerra,
Francisco José Sabino Sá e Filipe D'Ávila, destaca que, "após ter acesso
aos autos da investigação, constatou-se que o procedimento investigativo
ocorreu no período de novembro de 2022 a novembro de 2023, quando teriam
ocorrido os supostos fatos atribuídos aos policiais".
Causa estranheza à defesa o fato de que, ao
longo de toda a investigação conduzida sob sigilo absoluto, nenhum dos
policiais foi ouvido ou intimado a prestar esclarecimentos, sendo-lhes negada,
desde o início, a oportunidade de apresentarem qualquer defesa ou versão dos
fatos. A investigação, portanto, seguiu de forma unilateral, sem garantir ao
contraditório nem a ampla defesa em fase pré-processual."
Manuel Micias Bezerra, Francisco José Sabino Sá
e Filipe DÁvila
Advogados de defesa
Segundo os advogados, "as prisões
preventivas ora executadas, mais de dois anos após os supostos acontecimentos,
revelam-se absolutamente extemporâneas, sem amparo em fatos atuais que
justifiquem a medida extrema (ultima ratio), principalmente diante da
primariedade dos acusados, do exercício regular de suas funções públicas, da
existência de domicílio fixo e da ausência de riscos relevantes no momento em
que a medida é imposta, uma vez que a prisão preventiva exige contemporaneidade
dos fatos".
"A defesa já está adotando todas as
medidas judiciais cabíveis para restabelecer a liberdade dos seus constituintes
e reafirma sua confiança de que, ao final, a verdade dos fatos prevalecerá, com
pleno respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa", completou.
As defesas dos outros policiais militares não
foram localizadas pela reportagem, para comentar a denúncia e as prisões. O
espaço segue aberto para futuras manifestações.
Como atuava a organização criminosa
As investigações do Ministério Público do Ceará
contra a organização criminosa começaram no fim de 2022, após uma denúncia
anônima, e se aprofundaram nos anos seguintes, até a deflagração da Operação
Kleptonomos. Os investigadores descobriram que os policiais militares protegiam
criminosos em troca de propina, além de extorquir traficantes rivais.
O grupo de PMs atuava principalmente na
comunidade do Pôr do Sol, no Coaçu e na Paupina - que ficam na Grande
Messejana, em Fortaleza. A reportagem apurou que o tráfico de drogas, nessas
regiões, é dominado pela facção carioca Comando Vermelho (CV).
Durante as análises, foi possível constatar que
todos os policiais usam dos mesmos métodos para abordar e exigir a propina, bem
como são pedidos os mesmos valores já acordados com os traficantes da área.
Para se ter esse tipo de sincronia, é necessário que os desejos de auferirem
vantagem ilícita sejam compartilhados e orquestrados de forma organizada e
pautada na ordem da liderança."
Ministério Público do Ceará
Em denúncia
Os policiais militares cometiam os crimes
durante o serviço policial, enquanto utilizavam fardas e viaturas da Polícia
Militar. "Todos se utilizam das ameaças de execução dos serviços próprios
do estado, no qual a ostensividade é intrínseca à Polícia Militar, para
intimidar e prejudicar o tráfico, afirmando que ficarão no local trabalhando e
impedindo a venda de droga caso não recebam os valores solicitados",
apontou o Ministério Público.
Participação de policial civil
A denúncia do Ministério Público revela ainda a
possível participação de um policial civil no esquema criminoso comandado e
executado por policiais militares. A reportagem não divulgará o nome do
policial civil, em razão de não existir denúncia nem mandado de prisão contra
ele.
Os investigadores descobriram que o policial
civil foi o único servidor público a pesquisar, em um sistema policial, o nome
de um foragido da Justiça, no dia 21 de abril de 2023. O homem foi abordado
pelos PMs investigados e, mesmo com mandado de prisão em aberto por tráfico de
drogas, foi liberado. Ele teria pago R$ 300 aos policiais e prometido mais R$
100.
O policial civil "já possui passagem
criminal por suposto envolvimento em ilícitos relacionados ao tráfico de drogas
no ano de 2011", destacou o MPCE, na denúncia. Na época, ele era policial
penal do Ceará e foi preso em flagrante. Dois anos depois, foi demitido do
cargo público. Mesmo assim, foi admitido na Polícia Civil do Ceará (PCCE), em
2018.
Fonte: Messias Borges DN
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