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O resultado de um julgamento
realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada pode mudar a
configuração do serviço público no país nos próximos anos. Por oito votos a
dois, a mais alta Corte do país permitiu que órgãos públicos contratem servidores
sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A Corte entendeu que é
válida uma emenda constitucional de 1998 que derrubou a obrigatoriedade da
adoção do regime jurídico único para contratações pelo poder público. O tema
tramitava há duas décadas.
O modelo CLT é o mesmo
utilizado em grande maioria pelo mercado privado e garante direitos como Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, pagamento de rescisão
contratual, jornada máxima de 8 horas por dia, entre outros. No entanto, ao mesmo
tempo, fragiliza a estabilidade dos servidores, pois a demissão pode ocorrer de
maneira simplificada e com menor custo para os cofres públicos.
O entendimento da corte só
vale para seleções futuras ou em andamento, não afetando os servidores que já
estão lotados em seus cargos. Para alterar as carreiras, é necessário que sejam
aprovadas normas específicas, prevendo a contratação via CLT ou por meio do
regime estatutário. A regulamentação pode ser feita pelo Congresso Nacional,
pelas assembleias legislativas dos estados, câmara municipais ou pelo poder
Executivo federal ou local, desde que ocorra aval dos congressistas. Os
servidores que são regidos atualmente pela Lei 8.112, que prevê o regime
jurídico da união, não serão afetados, pois de acordo com o entendimento do
Supremo, a mudança só vale para o futuro. Porém, carreiras atendidas hoje pela
lei citada podem sofrer alterações para quem for ingressar a partir de agora.
A contratação deve continuar
ocorrendo por concurso público, independente da forma de regulamentação do
trabalho que será exercido. A Constituição prevê certame público para preencher
cargos efetivos, mesmo que não exista estabilidade no órgão para o qual foi
aprovado - como ocorre atualmente com empregados das estatais. De acordo com a
legislação, nesses casos, a seleção pode envolver prova teórica e prova de
títulos, quando a experiência, diplomas acadêmicos e outras conquistas ao longo
da carreira somam pontuações para definir a ordem dos colocados na lista de
aprovados no concurso.
O Supremo analisou a validade
da Reforma Administrativa de 1998 (Emenda Constitucional 19/1998) que suprimiu
a obrigatoriedade de regimes jurídicos únicos (RJU) e planos de carreira para
servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações
públicas federais, estaduais e municipais. A reforma modificou o texto original
do artigo 39 da Constituição Federal, que previa que cada ente da Federação
(União, estados, Distrito Federal e municípios) deveria instituir, no âmbito de
sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para seus
servidores públicos, unificando a forma de contratação (estatutária), e os
padrões de remuneração (planos de carreira).
Em uma ação apresentada na
Corte nos anos 2000, o PT, PDT, PCdoB e o PSB afirmaram que o texto promulgado
não teria sido aprovado em dois turnos por 3/5 dos votos dos parlamentares na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal, procedimento necessário para alterar
a Constituição. Em 2007, o plenário do Supremo acolheu o pedido e suspendeu a
validade da emenda que permitiu a contratação via CLT e outros regimes. Essa
decisão estava valendo até agora. Ou seja, a norma ficou em vigor entre 1998 e
2007, gerando muitas contratações por meio da CLT pelo país.
Em 2020, a ministra Cármen
Lúcia, relatora do caso, votou para manter a suspensão da emenda, pois no
entendimento dela, a tramitação da proposta não ocorreu de acordo com as normas
previstas na Constituição e, portanto, deveria ser invalidada. Como relatora,
ela analisou apenas a tramitação da matéria e não seu conteúdo. Porém, em 2021,
o ministro Gilmar Mendes divergiu e foi a favor da validade da emenda. A
corrente de voto aberta pelo ministro Gilmar foi seguida pelos ministros Nunes
Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e
Dias Toffoli.
Fragilidade
Cezar Britto, ex-presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e advogado trabalhista, afirma que a
decisão do STF gera insegurança, fragiliza o serviço público e abre espaço para
influência política nas repartições públicas. "A flexibilização das formas
de contratação dos servidores públicos não é vantajosa para nenhum dos dois
lados. Acaba com a estabilidade dos servidores e enfraquece a capacidade dele
de resistir aos arroubos daqueles que querem transformar o Estado em patrimônio
pessoal. Relativiza e enfraquece as formas de ingresso no Estado, além de
favorecer o compadrio. O fim do regime jurídico único interessa àqueles que
acham que o Estado deve servir aos seus amigos, aos seus parentes,
relativizando o concurso público para ter um Estado para chamar de seu,"
pondera.
Isonomia
A decisão da Corte levou à
reação de entidades sindicais e representantes de servidores públicos. Sérgio
Antiqueira, secretário nacional de Relações de Trabalho da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), afirma que diferentes regimes de contratação geram incertezas.
"Sem isonomia entre servidores que desempenham as mesmas funções, mas sob
regimes jurídicos diferentes, o que já acontece, a tendência é de que aumentem
os tratamentos desiguais e o descontentamento no ambiente de trabalho, afetando
a prestação do serviço público", disse.
Em nota, o Sindicato dos
Servidores do Judiciário do Estado de Pernambuco afirmou que com a decisão
tomada, surgem dúvidas e preocupações sobre como ficará a aposentadoria dos
trabalhadores. "Com a criação de múltiplos regimes jurídicos para os servidores
públicos, surge uma preocupação adicional no que se refere à previdência dos
servidores. A adoção de regimes distintos, como o celetista e o estatutário,
implica fragmentação dos direitos previdenciários, gerando desafios que podem
afetar tanto os servidores quanto o sistema previdenciário público como um
todo", destaca o texto.
Ainda de acordo com a
entidade, a decisão tomada pela suprema Corte ameaça a credibilidade das
instituições, pois abre espaço para o loteamento de cargos públicos por
influência política e deixa o trabalho que é realizado nas repartições públicas
mais vulnerável. "É preciso destacar que o regime jurídico único foi
criado para evitar práticas de favorecimento e para garantir o compromisso do
servidor com o interesse público, acima de pressões externas. A flexibilização
para contratação sob regimes variados pode abrir espaço para contratações menos
transparentes e para o aumento do clientelismo. Isso representa um risco à
impessoalidade e à moralidade na administração pública, prejudicando a
confiança da sociedade nas instituições públicas", completa o texto.
Fonte: Correio braziliense
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