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Os tradicionais jornais
impressos paulistas Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo publicaram
neste fim de semana editoriais críticos à atuação do Supremo Tribunal Federal a
respeito de como a Corte reage a críticas e determina censura a algumas pessoas
na internet. O carioca O Globo fez um editorial a favor do projeto de
lei que tentará coibir notícias falsas nas redes sociais.
A Folha é comandada
pelo empresário Luís Frias, que também controla o portal UOL e o PagBank (conhecido
pelas maquininhas amarelas para pagamento com cartão). O jornal cita
nominalmente o ministro Alexandre de Moraes,
que além de ser do STF preside o Tribunal Superior Eleitoral. O texto “Censura
promovida por Moraes tem de acabar”, publicado neste domingo (14.abr.2024),
diz que é inconstitucional “impedir alguém de se expressar nas redes
sociais” e que o certo é punir o que é publicado apenas “após devido
processo legal”.
“Um ministro do Supremo
Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos –conduzidos
pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente–, reinstituiu
a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem
cidadãos de se expressarem em redes sociais. O secretismo dessas decisões
impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto
constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado
acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do
contraditório nem razão conhecida”, escreveu a Folha.
O jornal paulistano se refere
a casos em que Alexandre de Moraes nos últimos anos determinou a remoção de
conteúdo das redes sociais, mas também que alguns usuários fossem banidos de
usar a internet para expressar suas opiniões. Isso se deu em algumas ocasiões,
sobretudo durante o processo eleitoral de 2022, como noticiou
este Poder360.
Ao determinar a redes sociais
como o X (ex-Twitter) a remoção de conteúdos e o bloqueio de contas, Alexandre
de Moraes não explicava em detalhes a razão da decisão e dizia que o despacho
deveria ser mantido em sigilo. Uma
dessas ordens pode ser lida aqui.
No meio de seu editorial,
entretanto, a Folha faz uma ressalva relevante:
“Urgências eleitorais poderiam
eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022
transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente
da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes
de exercitar o golpismo. Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu
resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que
perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes
dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua
irresponsabilidade”.
A Folha, com essa
explicação, chancela, em certa medida, a atuação da Justiça, sobretudo do TSE,
durante o período eleitoral de 2022 impondo censura prévia. Apesar de o jornal
ter condenado em editorial os amplos poderes que a Justiça Eleitoral se
autoatribuiu em outubro de 2022 (no texto “Censor
Eleitoral”), quando foi disseminado o conceito de “desordem
informacional”, o noticiário do diário paulista deixou de dar amplo
destaque a algumas decisões teratológicas do TSE naquele ano.
Por exemplo, em 19 de outubro
de 2022, o Poder360 deu como manchete (notícia principal) esta
informação: “TSE
censura fala de ex-ministro do STF em programa de Bolsonaro”. Sob Alexandre
de Moraes, a Justiça Eleitoral mandou cortar um trecho de propaganda televisiva
de Jair
Bolsonaro (PL). Era uma frase de Marco Aurélio Mello, ministro
aposentado do STF: “O Supremo não o inocentou [Lula]. O Supremo
assentou a nulidade do processo-crime, o que implica o retorno à fase anterior,
à fase inicial”. Em suma, Mello relatava apenas um fato: o então candidato a
presidente, Luiz
Inácio Lula da Silva não havia sido inocentado de nenhum crime pelo
qual havia sido condenado antes em diversas Instâncias por causa da Lava Jato.
Havia apenas a determinação para que os processos começassem novamente.
Na Folha, na época, o episódio foi relatado neste post: “Propaganda
eleitoral de Bolsonaro é interrompida com aviso de infração”. No texto, não
estava explicada a razão da interrupção nem qual havia sido a frase suprimida.
O jornal O Estado de
S.Paulo tem 149 anos, é controlado pela tradicional família paulista
Mesquita e recentemente anunciou que vai emitir
debêntures para sustentar uma expansão do negócio, sobretudo na área
digital. O veículo tem lutado ao longo das últimas décadas para voltar a ter o
prestígio, a influência e a relevância das décadas de 1970 e 1980, quando era o
mais importante diário brasileiro.
O centenário Estadão publicou
também neste domingo (14.abri.2024), o editorial “A legítima crítica ao
Supremo”. No texto, o diário paulistano é menos contundente do que a Folha.
Apega-se mais a uma atitude recorrente do Judiciário, com magistrados
confundindo críticas com ataques ou ameaças.
“Ao contrário do que parecem
pensar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar
instituições democráticas não é necessariamente atacá-las ou ameaçá-las.
Tampouco exigir sua autocontenção é ser extremista, e demandar que atuem
conforme a lei não é deslegitimá-las. Ao contrário, quem faz tudo isso de
boa-fé quer aperfeiçoá-las, isto é, quer instituições que não sejam ativistas,
partidárias, arbitrárias, corporativistas ou pessoais”, escreve o Estadão.
O fato é que o uso das
expressões “ataque” e “ameaça” como sinônimo de “crítica” têm
sido comum na mídia tradicional, inclusive no Estadão (aqui e aqui).
Neste Poder360, a palavra “ataque” é reservada para quando há um
indício claro de agressão física. Frases ou ofensas na internet são tratadas
como “críticas”.
Assim como a Folha,
o Estadão faz ressalvas no meio de seu editorial. “É evidente
que os liberticidas instrumentalizam a liberdade de opinião para propósitos
indisfarçavelmente antidemocráticos. Quando um Jair Bolsonaro fala em
“liberdade”, obviamente não é a liberdade no sentido liberal democrático, que
garante a todos, indistintamente, o direito de questionar o Estado e suas
instituições a qualquer tempo, e sim a ‘liberdade’ de desmoralizar os pilares
dessas instituições porque estas são um obstáculo para seus projetos
autoritários de poder”, diz o Estadão. O jornal não explica por que uma
opinião que produza críticas acerbas que possam desmoralizar instituições
seriam “antidemocráticas”.
Para o Estadão, a “algaravia
bolsonarista” é “de fato golpista e antidemocrática” e essa
característica da disputa política tem sido “usada pelos mais loquazes
ministros do Supremo como prova de uma alegada ameaça permanente e generalizada
à democracia, justificando dessa forma medidas juridicamente exóticas, quando
não inteiramente desprovidas de base legal, para conter essa ameaça”.
No final de seu editorial,
o Estadão escreve: “O Brasil testemunhou um surto de golpismo no
8 de Janeiro, mas hoje as instituições estão, como se diz, funcionando […] Por
que o Supremo segue em mobilização permanente, como se o país vivesse num 8 de
Janeiro interminável? São questões legítimas, que nada têm de extremismo.
Demandar a contenção do Supremo não é ser golpista, é só ser republicano”.
Em suma, tanto Folha como Estadão seguem
adeptos da teoria propagada pela Polícia Federal e abrigada pelo STF de que o
Brasil esteve a milímetros de ter sido alvo de um golpe de Estado –que teria
quase sido perpetrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ou pelos baderneiros
que depredaram prédios públicos em 8 de janeiro de 2023.
O
GLOBO
O
diário carioca é de propriedade da família Marinho, dona do maior conglomerado
de mídia no Brasil (em 2023, faturamento
de R$ 15,1 bilhões e lucro líquido de R$ 838,7 milhões). É também a empresa
de mídia que mais se beneficiou de verbas de publicidade com a volta de Lula ao
poder, liderando
o ranking de propaganda estatal federal em 2023.
O Globo ainda
não fez um editorial nos dias mais recentes sobre liberdade de expressão. O que
motivou Folha e Estadão foi o embate entre o empresário
Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), e o STF, tendo como alvo preferencial
Alexandre de Moraes. Musk acusa o STF de tomar decisões inconstitucionais,
contra a liberdade de expressão no Brasil. O Supremo, nega que seja esse o
caso.
Em
vez de expressar sua opinião sobre o tema do momento –se o STF está seguindo a
Constituição ao bloquear por completo o acesso de algumas pessoas às redes
sociais–, o Globo fez um editorial também neste domingo
(14.abr.2024): “É
um erro atrasar aprovação do PL das Redes Sociais”.
Nesse
texto, o Globo apenas trata de um tema de interesse direto do governo
Lula, e sobre o qual a oposição, sob Jair Bolsonaro, tem aversão: a
regulamentação das redes sociais, no que ficou conhecido como projeto de lei
das fake news.
“Depois
de longo debate, o Projeto de Lei (PL) de Regulação das Redes Sociais, aprovado
pelos senadores, estava maduro na Câmara no início do ano passado. A última
versão do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), prevê a responsabilização
de empresas digitais por conteúdos criminosos publicados por usuários, desde
que comprovada negligência. Também estabelece prazos para cumprimento de
decisões judiciais, promove transparência nas decisões e dá aos afetados pelas
decisões o direito de contestá-las. Para evitar censura arbitrária, atribui às
próprias plataformas a formulação de regras e da estrutura de governança
necessária para fazê-las cumprir. O texto alcança um equilíbrio virtuoso entre
as necessidades de proteger a livre expressão e de coibir abusos”, escreve
o Globo.
Em
seguida, emenda: “Por isso é incompreensível a decisão do presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de abandoná-lo depois da crise entre Elon Musk,
dono da plataforma X (ex-Twitter), e o Supremo Tribunal Federal. Não se podem
confundir as decisões controversas da Corte com a necessidade imperativa e
urgente de regular as redes. E, se há um foro com legitimidade para isso, é o
Congresso”. É uma referência à decisão do presidente da Câmara de criar
um grupo de estudo para tratar do tema, o que certamente retardará a
aprovação da lei.
O Globo argumenta
que os adversários do PL das fake news “confundem propositalmente seu
objetivo. Acusam-no de promover censura, quando o texto não impõe nenhuma
restrição à liberdade de expressão além das já previstas em lei há décadas.
Decisões duras da Justiça ao suspender contas e posts surgem num vácuo jurídico.
Falta uma lei atribuindo às plataformas o dever de zelar pelo conteúdo. É disso
que se trata”.
Quando
afirma que contas em redes sociais são bloqueadas e seus donos são proibidos
por tempo indefinido de se manifestarem nessas plataformas, o Globo não
explica por que isso estaria “num vácuo jurídico”. Muitos especialistas em
direito acham que não há vácuo. O Supremo simplesmente não poderia banir
pessoas por tempo indeterminado de se expressarem na internet.
Na
realidade, o PL das fake news nunca esclareceu 2 pontos relevantes sobre essa
eventual lei:
1) como
seria o critério objetivo para definir o que é verdade e o que é mentira
(deixar a decisão para critérios próprios das redes sociais e empresas de
tecnologia, as big techs, não resolveria o problema);
2) uma
vez decidido o critério, quem teria poder para arbitrar caso a caso sobre o que
é fato ou inverdade.
Há
um 3º ponto também controverso: ofender com palavras uma instituição,
um magistrado ou qualquer autoridade seria considerado um crime a ponto de o
autor ter de ser banido da internet? Um dos maiores especialistas e defensores
da liberdade de expressão no Brasil, o ex-deputado federal Miro
Teixeira entende que ir à frente do Congresso e pedir
que o Poder Legislativo seja fechado não é crime, mas livre exercício de
liberdade de expressão. Miro também entende que no 8 de Janeiro a
democracia não correu risco.
CIRCULAÇÃO DOS JORNAIS
Os jornais tradicionais
brasileiros têm circulação
impressa diminuta e ainda não ganharam tração relevante nas suas
versões on-line.
Os 3 diários citados nesta
reportagem têm estas tiragens impressas: Estadão (56.356 cópias por
dia), Globo (52.933) e Folha (41.401). Os dados são do IVC
(Instituto Verificador de Comunicação) e referem-se a dezembro de 2023.
Fonte: Poder360
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