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Foto: Reprodução |
Prefeitos e ex-prefeitos do Ceará começaram a
responder ao Tribunal de Contas da União (TCU) por possível uso irregular do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), antigo
Fundef. Segundo as ações, pelo menos R$ 108 milhões que deveriam ter ido para a
educação básica acabaram destinados a escritórios de advocacia.
Ao todo, 21 cearenses – entre prefeitos e ex-prefeitos – são alvo de tomadas de contas na Corte, que concluiu em outubro do ano passado uma mega auditoria sobre o pagamento de honorários advocatícios com recursos do Fundeb. Os processos, que foram abertos no fim de 2020, começaram a receber defesas de ex-prefeitos do Ceará no último mês.
O caso teve início ainda em 1999, quando o Ministério Público
Federal (MPF) moveu ação apontando erro na base de cálculo da União para
repasses do Fundef para estados e municípios. O processo acabou tendo desfecho
apenas 16 anos depois, em julho de 2015, quando a União foi condenada a pagar
mais de R$ 91 bilhões aos outros entes federados.
Antes mesmo da resolução desse caso, no entanto, diversos
municípios brasileiros, principalmente do Norte e do Nordeste, entraram com
ações paralelas na Justiça cobrando a correção do repasse. No Ceará, a
articulação contou inclusive com coordenação da Associação dos Municípios do
Estado do Ceará (Aprece).
Na época, em vez de usarem as próprias procuradorias municipais
ou a assessoria jurídica da Aprece, as prefeituras contrataram uma série de
escritórios de advocacia, prevendo o pagamento de até 20% do valor recebido nas
ações como honorários advocatícios.
Como os processos envolviam cifras volumosas, o cálculo de
honorários acabou rendendo, só no Ceará, pagamentos de R$ 108 milhões até
outubro passado, que foram retirados dos precatórios pagos aos municípios.
Mesmo com o valor exorbitante das ações, a maioria dos contratos entre
prefeituras e escritórios foram feitos sem a realização de licitação pública.
Em entendimento já referendado no TCU, Controladoria-Geral da
União (CGU), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal
(STF), Judiciário e órgãos de controle já decidiram que pagamentos do tipo são
ilegais. Em decisões recentes, eles destacam que a verba do Fundeb deve ser
destinada exclusivamente para a Educação.
Após a conclusão da auditoria de outubro, o TCU identificou
prejuízos em R$ 254,6 milhões – quase a metade deles partindo de contratos do
Ceará – e abriu mais de cem tomadas de contas especiais sobre os casos. Nas
investigações em curso, são apontados indícios de fraudes e até de dispensa
irregular de licitações para a contratação dos escritórios.
“Em vez de incentivar o ingresso das ações mediante órgãos
jurídicos próprios ou contratação de advogados por meio de licitação, prevendo
cláusulas não abusivas de remuneração, a entidade de defesa dos entes procurou
assegurar para si parte substancial dos recursos recuperados”, diz, em acórdão
do TCU, o conselheiro Walton Alencar, que destaca ainda que maior parte das
verbas foi para “pequeno grupo” de advogados.
Quase todos os processos ainda está em estágio inicial, com
apresentação das primeiras alegações de defesa dos envolvidos. A maioria dos
gestores envolvidos são ex-prefeitos que exerceram mandatos entre o final dos
anos 1990 e o início dos anos 2000. Alguns deles, como Roberto Pessoa (PSDB) em
Maracanaú e Nezinho Farias (PDT) em Horizonte, foram eleitos em 2020 e seguem
no comando dos municípios.
Outros já deixaram os municípios, mas seguem em posições de
destaque na política do Ceará, como o deputado estadual Sérgio Aguiar (PDT) e o
secretário de Desenvolvimento Agrário do Ceará, Dedé Teixeira (PT).
Citados em ações devem apresentar defesa conjunta
Prefeitos cearenses que respondem a processos de tomadas de
contas especiais por uso de verbas por Fundeb com honorários advocatícios
estudam apresentar uma defesa conjunta ao Tribunal de Contas da União (TCU).
A informação é do ex-deputado e ex-secretário do Desenvolvimento
Agrário do Ceará, Dedé Teixeira (PT), que foi citado no caso após assinar
contrato nesse sentido durante gestão como prefeito em Icapuí, ainda nos anos
2000. Segundo ele, o caso está sendo acompanhado de perto pela Associação dos
Municípios do Ceará (Aprece).
“Nós fomos um dos primeiros municípios a receber esse repasse
com reajuste, ainda em 2013, 2014, e agora recentemente o TCU intimou a Aprece
e, consequentemente, os ex-prefeitos, sobre essa mudança de entendimento”, diz.
“Nós respondemos no mês passado, e a Aprece elaborou toda uma
justificativa de que o gasto foi todo legal, até porque, na época, eram
processos de alto risco, então nós já respondemos baseado em um parecer da
própria Aprece, que participou dessa articulação”.
O ex-parlamentar afirma que deverá, nos próximos dias, procurar
advogados da Aprece para avaliar como proceder no caso, mas diz que os
prefeitos deverão apresentar “defesa coletiva”, “seguindo a mesma lógica”.
Também citado no TCU, o prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa
(PSDB), reafirma legalidade dos contratos. “A contratação de escritório de
advocacia, no que se refere à questão da Fundeb, ocorreu plenamente dentro da
legislação, conforme entendimento da Procuradoria e Controladoria do Município
com base na Lei Federal 8.666/93”, diz.
“A lei permite a contratação de escritório de advocacia quando
se trata de serviços especiais e não rotineiros às Procuradorias”, afirma ainda
nota da gestão. A gestão, no entanto, ignora decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF) destacando que as verbas do Fundeb somente podem ser aplicadas
com a Educação. (Carlos Mazza)
Após pressão do MP de Contas, prefeitos recuam de novos editais
Três prefeituras do Ceará recuaram nesta semana e anularam
editais que serviriam para contratação de escritórios de advocacia para a
representação dos municípios em ações envolvendo recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
A anulação dos certames ocorreu após o Ministério Público de
Contas, ligado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), entrar com ação na Corte
pedindo a suspensão dos editais. Nas ações, procurador de Contas Gleydson
Alexandre destaca recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) pela
ilegalidade deste tipo de contratação.
O procurador também destaca que, como não existe polêmica
jurídica em torno da matéria, as ações poderiam ser tocadas pelas próprias
procuradorias dos municípios, sem a criação de qualquer despesa para os cofres municipais.
Além disso, as ações também destacam “valores exorbitantes” previstos para os
honorários em todos os casos.
Ao todo, os municípios de Aracati, Pacatuba e Mulungu planejavam
remunerar os escritórios contratados com cerca de 20% do valor das ações, o que
somaria cerca de R$ 25 milhões. Como viriam de ações movidas contra a União e
envolvendo o recurso do Fundeb, os honorários acabariam recaindo sobre a verba
da Educação.
Município com o edital mais elevado, Aracati planejava pagar
cerca de R$ 17,7 milhões em honorários na ação. Procurado pelo O POVO, no
entanto, o prefeito Bismarck Maia (PTB) afirmou que o certame já havia sido
cancelado. “Já cancelei, resolvi. Mandei a procuradoria mesmo fazer”, disse o
prefeito, que não soube precisar o momento da decisão.
Em termo publicado na noite de ontem no Portal de Licitações do
TCE, a Prefeitura destaca ação movida pelo Ministério Público de Contas para
justificar a anulação do processo. “Cabe ressaltar que a revogação da licitação
não decorre da existência de vício ou defeito no procedimento, mas sim diante
da conveniência e da oportunidade administrativa e por motivo de relevante
interesse público”.
Fato semelhante ocorreu em Mulungu, onde a gestão municipal
anulou edital que promoveria gastos de R$ 1,2 milhão da Educação para o
pagamento de honorários. Nesta ação, a Prefeitura alegou surgimento de “fatos
supervenientes”, embora decisões proibindo este tipo de contratação sejam
anteriores ao processo.
Caso mais curioso, no entanto, ocorre em Pacatuba, na Região
Metropolitana de Fortaleza. Após a ação do MP de Contas, a gestão Carlomano
Marques (MDB) anunciou a anulação de processo para a contratação de escritório
de advocacia de pagamento de honorários de até R$ 5,7 milhões.
Imediatamente depois, no entanto, teve entrada no sistema do TCE
novo edital exatamente igual ao anterior, com os mesmos valores e também com o
objetivo de contratação de advogados para representarem o município em ações
ligadas ao Fundef. Neste novo caso, não foi apresentado até agora nenhum termo
de revogação do certame.
O MP de Contas, no entanto, já ingressou com nova ação pedindo a
suspensão da contratação. O POVO tentou entrar em contato com Carlomano Marques
sobre o caso, mas chamadas ao telefone celular do emedebista não foram atendidas.
A reportagem também tentou entrar em contato com o vice-prefeito, Rafael
Marques (MDB), mas também não conseguiu localizá-lo até o fechamento desta
página.
Fiscais
Além das tomadas de contas em andamento no TCU, uso irregular de
verbas do Fundeb também é alvo de fiscalização no Tribunal de Contas do Estado
do Ceará (TCE).
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