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Foto: Acervo Familiar |
Quão longe você iria para
realizar um sonho? Embora o desenlace para esta indagação nem sempre seja
simplória, o casal de japoneses de 87 anos Takeo e Nobue Kimura tem a resposta
muito bem definida: 2.730 km. Esta foi a distância aproximada que os
orientais percorreram do interior de São Paulo para o Sertão cearense para,
finalmente, concretizarem um antigo sonho.
Imigrantes do Japão há mais de
meio século, Takeo e sua esposa, Nobue, foram morar em Tabauté (SP) no
movimento de emigração em seu País de origem iniciado após a rendição para os
EUA na Segunda Guerra Mundial. Ao chegarem à cidade paulista no ano de 1956, se
estabeleceram em fazendas da região e por lá ficaram por mais de seis décadas.
A atividade na agricultura, ao passar dos anos, trouxe prosperidade.
"Assim como muitos outros
imigrantes, meus pais chegaram ao Brasil sem nenhuma riqueza. Praticamente o
dinheiro dava somente para custear a viagem. Foi trabalhando na agricultura que
eles foram prosperando aos poucos. Começaram trabalhando para fazendeiros,
suprindo a mão-de-obra escrava e, gradualmente, foram juntando dinheiro e
conseguiram comprar algumas terras onde fizeram morada",
relata Cristina Emi Vianna, sexta filha do casal.
O campo rendeu frutos que
foram além da garantia de estabilidade financeira para o casal. Foi de lá que
surgiu o sonho de produzir figo – frutas nativas do Oriente Médio. O objetivo,
no entanto, não era cultivá-lo no sudeste, mas sim no Sertão cearense. Esse
desejo, com contornos de obsessão, tem uma razão de existir. Os oito filhos do
casal contam que os pais sempre foram "muito gratos ao Brasil" e
queriam retribuir essa "acolhida".
"Eles dizem que o Brasil
os recebeu de braços abertos e sempre tiveram a vontade de retribuir essa
acolhida de alguma forma", revela Cristina. Na concepção
de Takeo e Nobue Kimura, essa "retribuição" se materializaria
"levando prosperidade ao Sertão".
Fernando Yutaka, filho
mais novo do casal, revela que os pais, por anos, "ouviram relatos de que
o Nordeste era uma região onde havia muita desigualdade e muitas pessoas
pobres, então eles queriam fazer algo para, de alguma forma, mudar essa realidade".
Esse esterótipo, que mais tarde viria a ser quebrado, alimentou por duas
décadas o sonho do casal de produzir figo no Sertão.
No dia em que se despediu do
Japão, ainda jovem, Takeo conta ter ouvido uma frase dita por um veterano da
Associação Rikkouka – responsável à época pelo processo de imigração
ao Brasil – que o marcou: “Vocês japoneses, busquem no Brasil um
ideal muito maior do que fazer dinheiro, busquem o ideal de mudar, transformar,
lugares e pessoas".
Esse ideal, para Takeo, seria
alcançado em solo nordestino. Os "meios" ele ainda desconhecia, mas
os "fins" estavam muito bem traçados em sua mente.
CONCRETIZAÇÃO DO SONHO
Com os oito filhos já
independentes, Takeo e Nobue Kimura reuniram a família e, em 2019,
anunciaram o desejo de se mudar para o Sertão nordestino. A revelação
inicialmente não foi bem digerida por seus descendentes.
"Eles já são idosos e
isso de certa forma nos trouxe receio. Mas entendemos que este sempre foi o
grande sonho da vida deles. Não tínhamos o direito de privar a realização desse
desejo. Além disso, eles estavam muito determinados e decididos",
rememora Cristina.
Essa frase dita por Takeo mostrou a convicção em seus ideais e convenceu os
filhos. Dentre os nove estados do Nordeste, o Ceará tinha sido o escolhido pelo
casal de japoneses após "muita pesquisa". Há cerca de 20 anos, Takeo
visitou o Estado em busca de propriedades que pudessem servir de alicerce para
seu sonho. As visitas ao Estado também serviram como base em suas pesquisas.
"Ele sempre foi muito
curioso. Gosta de ler e pesquisar muito. Então, quando elegeu o Ceará como
destino, passou a pesquisar quais tipos de frutos daria certo para plantar no
clima semiárido", conta Cristina.
Dentre as opções, o figo foi
eleito como ideal. Takeo já havia produzido o fruto em São Paulo, portanto
tinha expertise no manejo e, a origem do figo, é de uma região onde o clima
também é árido e semiárido, semelhante ao do Sertão nordestino.
2.730 KM ATÉ A REALIZAÇÃO DE
UMA META
Com as escolhas concretizadas,
casal e filhos iniciaram as buscas por propriedades à venda. Takeo voltou ao
Ceará uma terceira vez e, "por sorte", conforme avalia, conseguiram
contato com um antigo amigo que estava vendendo sua propriedade na zona rural
de Tabuleiro do Norte.
"Meu pai não pensou duas
vezes e decidiu comprar aquelas terras", relembra Paulo, filho que
acompanhou Takeo ao Ceará na procura pelo imóvel.
No dia 29 de junho de 2019,
Takeo e seu filho mais novo, Fernando, partiram rumo ao Sertão em uma
caminhonete. Na bagagem, apenas roupas e muitas mudas de figo. Era o início da
realização de um sonho que ficaria completo três meses mais tarde, com a
chegada de sua esposa, Nobue.
Esses pés logo se adaptaram ao novo chão que pisavam. A simbiose se fez
perfeita. Logo no início do ano passado, começaram a brotar as primeiras
figueiras regadas com "água e suor", conforme descreve Cristina.
"Olhando o verde brotar
por aquele chão escaldante, comprovei com meus olhos o que meu pai sempre me
dizia: 'No Brasil não há terra ruim. O que há é terra sem cuidado adequado e
falta de dedicação'.”, relatou a sexta filha do casal.
O cuidado ao qual se refere
rendeu bons resultados. Neste ano, a propriedade do casal de japoneses atingiu
a marca de 15 mil pés de figo. O solo arenoso com vegetação rasteira, cedeu
lugar as fileiras do plantio. A paisagem do Sertão se modificou, assim como a
realidade de alguns nativos.
Hoje Takeo e Nobue geram
emprego à comunidade e, em 2022, esperam expandir esses postos de trabalho.
"A meta é chegar a 45 mil pés", revela Fernando. Expandir a produção,
no entanto, não é a única meta do casal. Cristina confidencia que os pais já
traçaram os caminhos que querem seguir em Tabuleiro do Norte.
"Minha mãe visualiza a
criação de uma pequena escola para as crianças da região. Já meu pai, quer
servir de exemplo para que venham outros empreendedores e unam forças para
montarem uma cooperativa de modo a atraírem investimentos e transformarem a
região num grande polo de produção de figos e frutas para exportação. Eles
sempre reforçam o desejo de retribuir tudo que receberam do Brasil. Querem
deixar um legado e ajudar no desenvolvimento da região onde escolheram
morar".
COMERCIALIZAÇÃO
A plantação já rendeu as
primeiras colheitas. Fernando Yutaka desenvolveu uma espécie de doce de figo
desidratado que está sendo comercializado em Minas Gerais e São Paulo.
"Vamos montar neste ano um grande galpão, com placas de energia solar,
para processarmos os figos in natura. O objetivo é montar uma agroindústria
para fazermos doces e outros produtos de figos", revela.
A meta, no entanto, é exportar
o figo para o mercado europeu, onde há ampla demanda. Essa projeção, segundo
Fernando, já é para ser executada nos próximos anos. "Queremos ter um figo
de alta qualidade. Com padrão de excelência, portanto, estamos aprimorando as
técnicas até atingirmos um nível de exportação", acrescenta.
Neste ano, os produtores
enfrentaram o primeiro grande desafio desta saga no Sertão. "Uma praga
atacou o plantio e não estamos sabendo como controlar. Não usamos nenhum tipo
de pesticida, então isso tem dificultado. Já pesquisamo bastante, mas ainda não
achamos uma solução", detalha Yutaka.
A reportagem do Diário do
Nordeste acionou a Embrapa que garantiu analisar o caso. A assessoria de
comunicação do órgão informou ainda que "para qualquer tipo de dúvida
ou cobrança relacionada a atividades do campo, a Embrapa pode ser contatada
através do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)" por meio deste link.
Em se tratando de pragas, os
pesquisadores da Embrapa entram em contato, em até 4 dias úteis, com os
produtores para colherem elementos que possam direcionar o início da
investigação. O órgão pontuou ainda que, por se tratar de um plantio pouco
comum no Ceará, as Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza) e Embrapa
Semiárido (Petrolina), não possuem pesquisadores que trabalham especificamente
com o figo.
DO ACASO AO MATRIMÔNIO
Neste ano de 2021, o casal
Takeo e Nobue farão Bodas de Platina. O início desta união matrimonial prestes
a completar 65 anos foi fruto de um acaso e tem o Brasil como importante
elemento. Eles se conheceram nas aulas preparatórias para imigração promovidas
pela Associação Rikkouka.
Os japoneses que desejavam
imigrar ao Brasil se inscreviam nesta associação e, ao terem o pedido aceito,
esses jovens ficavam por alguns meses em uma espécie de alojamento antes
de os barcos partirem para o Brasil. Neste ínterim, tinham aulas sobre
geografia, cultura, línguas e folclore brasileiro.
Nobue foi a primeira a
ingressar. No entanto, seu processo enfrentou percalços. Ela lembra que ao se
dirigir à repartição, foi informada que "todas as mulheres só iam
casadas". Solteira, Nobue relutou.
"Perguntou se homem
sozinho poderia ir, e ao responderem que sim, ela argumentou de que se haviam
homens que iam sozinhos, era preciso mulheres que fossem sozinhas, para fazer
companhia e dar força para esses homens", narra a filha Cristina.
A insistência deu certo e os
funcionários da Associação permitiram seu ingresso no alojamento. Semanas
depois chega Takeo. O namoro foi questão de tempo. O casal conta que depois de
alumas semanas de aproximação, começarm a namorar. Era o primeiro
relacionamento de Takeo.
Antes do dia da partida, Nobue
levou o companheiro para conhecer a família em Tókio, e Takeo fez o mesmo,
levando-a à Okayama. Naquele período ficaram noivos e celaram o
compromisso de se casarem tão logo chegassem ao Brasil. Ela pisou em solo
brasileiro no dia 13 de março de 1956 e Takeo chegou em 18 de maio daquele
mesmo ano.
Em 26 de dezembro de 1956 a
promessa foi cumprida e os dois se casaram. Naquele mesmo ano, o acaso
novamente sinalizou o que o destino reservaria para ambos. Com poucos recursos
financeiros, Takeo e Nobue passaram a morar em uma pequena casa na cidade de
Mogi das Cruzes.
A cama em que o casal
dormiu a primeira noite foi improvisada, feita com caixas de madeira de tomate,
forradas com sacos de pano de adubos alvejados. Começava ali o matriônimo que
perdura até hoje.
VITÓRIA E ANTÔNIO
Por terem nomes complicados ao
idoma português, criou-se a cultura de os imigrantes japoneses que vinham
ao Brasil escolherem seus nomes de batismo. Takeo, passou a chamar-se Antônio.
"Meu pai conta que escolheu esse nome por ter interpretado Antônio de Valença,
na peça “O Mercador de Veneza” no teatro do colégio", revela Cristina, ao
traduzir um trecho do livro que os pais estão escrevendo sobre a vinda deles ao
Brasil.
Sua companheira ganhou o nome
de Vitória. "Escolhi o nome de Vitória para você, porque que essa palavra
tanto em espanhol como em português significa ser vencedor, ter sucesso e eu
sei que daqui para a frente passaremos por momentos muitos difíceis e teremos
vontade de desistir de tudo. Nesses momentos vou lembrar do seu nome e
continuaremos a luta", descreve Takeo, em seu livro que está em produção.
Fonte: Diário do Nordeste
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