Em dezembro de 2016,
uma ação militar da coalizão liderada pela Arábia Saudita nos arredores de duas
escolas do Iêmen deixou ao menos dois mortos e dezenas de feridos. Em fevereiro
de 2017, uma bomba disparada contra uma zona rural iemenita feriu ao menos duas
crianças. 
Em comum, esses dois
episódios da guerra civil em curso desde 2015 no país asiático têm o fato de as
munições empregadas serem bombas cluster de fabricação brasileira, segundo a
ONG Human Rights Watch. 
Os casos são
mencionados no capítulo brasileiro do relatório
anual de direitos humanos da organização não governamental, divulgado nesta
quinta-feira. 
As bombas cluster (ou
bomba de fragmentação) são armas que, quando disparadas, se abrem e dispersam.
Assim, criam centenas de munições menores, ampliando seu poder de alcance e
atingindo uma área equivalente a diversos campos de futebol, segundo a Coalizão
de Munições Cluster (CMC, na sigla em inglês). 
"O uso dessa
munição foi documentado 18 vezes no Iêmen e, em duas delas, analistas constataram
que a procedência das armas era brasileira", diz à BBC Brasil Maria Laura
Canineu, diretora brasileira da Human Rights Watch. 
As bombas cluster são
proibidas por um tratado internacional de 2008, que tem a adesão de 102 países,
mas não do Brasil. 
Impacto semelhante a mina
Às críticas a essa
munição se devem a seu impacto similar ao de uma mina terrestre, explica o
Cristian Wittmann, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e
integrante do CMC. 
Isso porque suas
submunições podem não detonar logo de imediato, mas ficam escondidas e muitas
vezes são acionadas acidentalmente anos depois. 
"Ela tem efeito
humanitário grave mesmo quando não explode no primeiro impacto, porque
contamina as áreas afetadas durante décadas (após seu disparo). No sul do
Líbano, crianças ainda encontram munições cluster lançadas na guerra de
2006", afirma Wittmann. 
Canineu diz aindea que
essas armas se espalham de forma "indiscriminada" ao serem
disparadas, o que faz com que aumente a chance de que atinjam alvos civis, em
vez de apenas militares. 
Segundo a convenção
internacional de 2008, "restos de munições cluster matam ou mutilam civis,
incluindo mulheres e crianças, obstruem o desenvolvimento econômico e social,
impedem a reconstrução pós-conflito, retardam o regresso de refugiados e outras
consequências que podem persistir por vários anos após seu uso". 
Hoje, segundo a CMC, o
Brasil é um dose 34 países que produzem ou produziram bombas cluster em algum
momento após a Segunda Guerra Mundial. 
Um projeto de lei do
deputado Rubens Bueno (PPS-PR) prevê a proibição tanto da produção quanto do
uso desse tipo de arma no Brasil. O projeto aguarda, desde 2012, parecer na
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara. 
Segundo Wittmann, há
poucas informações públicas a respeito da produção e comercialização
brasileiras dessas bombas - embora, vale ressaltar, o país nunca tenha usado
esse tipo de munição. 
Empresa brasileira se posiciona
Atualmente, a única
empresa da qual se tem conhecimento que produz essas munições é a Avibras,
localizada no interior de São Paulo. 
À época que o uso de
munição brasileira foi denunciado no Iêmen, a empresa não reconheceu como sendo
seus os artefatos descobertos no país árabe. 
Em nota à BBC Brasil
nesta semana, a Avibras afirma que seus produtos de defesa "atendem aos
princípios humanitários preconizados pelos acordos internacionais e contam com
dispositivos de autodestruição, (...) que não geram material ativo remanescente
no solo que possa vitimar inocentes após os combates". 
Canineu, da Human
Rights Watch, diz no entanto que o tratado internacional sobre o tema também
engloba as armas com poder de autodestruição, uma vez que há documentação de
altos índices de falhas técnicas nessas munições. 
A Avibras agrega que
"todas as exportações da companhia são autorizadas pelos órgãos públicos
competentes" e que "inadequadas imputações aos produtos da empresa
podem ter origem no desconhecimento dos fatos, refletir disputas comerciais em
um mercado de acirrada competição ou simplesmente revelar preconceitos contra a
indústria de defesa". 
Questionada a respeito
de quais países são destino de suas vendas, a empresa afirmou que "os
principais compradores de produtos de defesa da Avibras são governos de países
com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas e para os quais não haja
nenhum embargo. Todas as exportações são autorizadas e aprovadas pelo governo
brasileiro". 
O Itamaraty foi
consultado pela reportagem, mas não respondeu até a noite desta quarta-feira. 
Sistema judicial
Para Canineu, apesar de
o Brasil não usar diretamente essas bombas, o fato de produzi-las e vendê-las o
coloca "na contramão" da comunidade internacional e o torna
"responsável" pelas mortes causadas pelo armamento. 
O relatório da ONG
divulgado nesta quinta-feira também faz críticas ao país por seus
"problemas crônicos no sistema de Justiça criminal", como execuções
extrajudiciais e maus-tratos cometidos por policiais, e pelas más condições dos
presídios brasileiros. 
"A superlotação e
a falta de pessoal tornam impossível que as autoridades prisionais mantenham o
controle de muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência",
diz o relatório. 
Globo.com 

