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MARCOS RODRIGUES/AFP
As circunstâncias exatas do vazamento de petróleo na costa
brasileira ainda não estão claras, mas a gravidade desse incidente para o meio
ambiente e para a economia das cidades afetadas é evidente.
Animais marinhos ameaçados,
tartarugas mortas e prejuízos para o turismo são algumas das consequências.
Um relatório da Petrobras mostra que os resíduos que já chegaram a
138 áreas do litoral nordestino são uma mistura de óleos da Venezuela.
Antes da divulgação do documento, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, deu a entender que o governo
sabia qual era o país da embarcação que deu origem às manchas de óleo e que
poderia se tratar de uma ação criminosa.
"Eu não posso acusar um
país, vai que não é aquele país. Não quero criar problemas com outros países. É
reservado", disse. "Temos no radar um país que pode ser a origem do
petróleo."
"É um volume que não está
sendo constante, não é? Se fosse um navio que tivesse afundado, estaria saindo
ainda óleo. Parece que [...] criminosamente algo foi despejado lá."
Os 'donos do óleo'
A Marinha e órgãos estaduais e
federais estão atuando em conjunto para tentar identificar a origem do
vazamento. Participam da operação 1,5 mil militares, cinco navios, uma aeronave
e diversas embarcações e viaturas de delegacias e capitanias dos portos.
Três hipóteses são
consideradas: naufrágio de embarcação, despejo criminoso ou acidente na
passagem de óleo de um navio para outro.
Ainda há muitas perguntas sem
resposta. Mas quando a origem do óleo finalmente for rastreada, quem deverá ser
responsabilizado e punido pelos danos ambientais?
Para responder a essa pergunta
a BBC News Brasil ouviu duas especialistas em Direito Marítimo Internacional
especializadas em conflitos envolvendo vazamento de petróleo no oceano.
Segundo a professora de Direito
Marítimo Ingrid Zanella, da Universidade Federal de Pernambuco, e a advogada
Maria Fernanda Soares, especialista em direito marítimo, antes de saber quem o
governo brasileiro deve processar e punir, é preciso identificar com certeza
quem é o dono da embarcação ou das embarcações envolvidas no episódio, que país
produziu o óleo vazado, em que território vazou o óleo, qual empresa contratou
o navio e que empresa receberia a mercadoria transportada.
As vítimas desse vazamento
podem ser comunidades de pescadores — caso tenha afetado a quantidade ou volume
histórico de pesca, por exemplo ?, a indústria do turismo, hotéis, e os
próprios Estados que estão gastando dinheiro para limpar o óleo da orla
brasileira e mitigar os danos causados.
Local do vazamento
Zanella diz que uma das
primeiras perguntas que devem ser respondidas é o local onde ocorreu o
vazamento — ou seja, se foi em águas nacionais ou internacionais.
Ela afirma que, pela extensão
do derramamento do óleo, que afetou diferentes praias do Nordeste, tudo indica
que o vazamento ocorreu não em território brasileiro, mas na chamada zona
econômica exclusiva.
"O mar é dividido em
diversas áreas. Temos a área considerada Brasil, que vai até 12 milhas (da
costa). Após essas 12 milhas, temos a zona econômica exclusiva, que vai das 12
milhas a 200 milhas. Isso não é Brasil, mas os recursos naturais que ali estão,
como águas, petróleo, recursos vivos e bens ambientais são do Brasil",
explica.
Zanella e Soares concordam que,
neste caso, o Brasil tem jurisdição para processar civil e criminalmente os
envolvidos no incidente.
"Mesmo que tenha sido
embarcação de outra nacionalidade, os recursos afetados são brasileiros,
portanto nós temos jurisdição para processar civil e criminalmente", diz
Zanella.
Soares explica que o Brasil
"tem um histórico grande de aplicar o direito brasileiro a danos
ambientais" mesmo sendo signatário de uma convenção internacional que
regula a compensação de danos causados por vazamento de petróleo, de 1969 (a
Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por
Poluição por Óleo).
Isso porque há quem enxergue
problemas de compatibilidade entre a Constituição brasileira de 1988 e a
convenção internacional de 1969, já que a lei brasileira garante reparação
integral, enquanto a norma internacional estabelece limites à indenização.
Neste caso, porém, por se
tratar da zona econômica exclusiva do Brasil, o direito brasileiro é aplicável
de qualquer forma.
Possíveis responsáveis
Zanella explica que existem
duas esferas de responsabilização neste caso: civil e criminal. No caso da
responsabilização civil, o objetivo do Brasil será buscar indenização para
cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo,
provocados pelo vazamento.
Já no âmbito criminal, será
preciso identificar se houve dolo ou culpa, ou seja, se as pessoas envolvidas
tiveram a intenção de cometer aquele crime ou assumiram o risco de que esses
danos ocorressem.
A professora da UFPE diz que
diferentes empresas e até países podem eventualmente ser responsabilizados
judicialmente pelo vazamento de óleo nas praias do Nordeste brasileiro.
Segundo ela, o responsável
principal costuma ser o dono da embarcação responsável pelo incidente.
"O primeiro possível
responsável é o dono da embarcação de onde saiu o óleo", afirma.
Zanella aponta que o capitão do
navio também pode ser punido, especialmente criminalmente, já que era o
responsável geral pela embarcação.
Mas todas as empresas e até países
envolvidos na operação, como a companhia que receberia a mercadoria e o país
que vendeu o produto, podem eventualmente ser processados e obrigados a pagar
indenizações pelos danos econômicos e ambientais provocados.
"Cada vítima, cada
entidade que queira reparação por algum motivo pode, em tese, escolher quem
será responsabilizado", observa Soares.
Então, é possível separar as entidades que podem ser
responsabilizadas: o poluidor direto, que é o proprietário da embarcação, e o
poluidor indireto, que responde solidariamente.
"Todas as pessoas
relacionadas àquela atividade: quem alugou a embarcação, o dono da mercadoria,
quem comprou aquela carga. Então, temos diversas empresas e países que podem
ser solidariamente responsáveis civilmente", afirma Zanella.
O país de origem do petróleo e
o país de nacionalidade do navio envolvido no vazamento poderiam, de acordo com
Zanella, ser processados pelo Estado brasileiro caso ficasse comprovado que a
embarcação operou irregularmente.
"O país que vendeu a
mercadoria tem que verificar as condições da embarcação que vai levar o
produto. E o país que deu a bandeira ao navio pode ser responsabilizado por não
ter impedido a navegação de um navio em situação irregular."
Soares lembra que a Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, estabelece que um país tem
poder e dever de controle sobre suas embarcações, e que "eventualmente, se
uma embarcação não está apropriada para carregar uma carga, é possível
considerar que o país pode ter falhado na fiscalização da embarcação".
Além de responsabilizar o país
juridicamente, os Estados podem tomar medidas políticas, como sanções, explica
ela.