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| Foto Reprodução |
As recentes negativas de
conexão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para empreendimentos
como o data
center da Casa dos Ventos, e as usinas de hidrogênio verde (H₂V), fazem com que a região
Nordeste caminhe, na análise de especialistas do setor, para um "colapso
sistêmico" de projetos novos e em andamento.
O alerta foi dado por Francisco
Habib, diretor de engenharia e membro do conselho da Casa dos Ventos,
empresa cearense do ramo de energias renováveis.
Ele diz que o Nordeste, de
modo geral, está atrasado em conectar os projetos em andamento e os futuros
investimentos junto à rede elétrica, atrasando o escoamento da produção.
"Existe uma visão de
colapso sistêmico, não da operação em si, mas da modelagem das margens do
Nordeste. O próprio ONS liberou um mapa de margens recentemente que mostra que
praticamente não existe mais margem de conexão no Nordeste interior. Existe
perto das capitais, onde não tem o recurso, projeto e área. Se formos olhar,
nenhum projeto hoje no Nordeste consegue um novo parecer de acesso, e os
projetos de carga também não estão sendo emitidos", defende.
O consumo teoricamente
resolveria parte do problema de geração, aumenta a demanda do Nordeste e
viabiliza novos investimentos em geração, mas no fim do dia, se não pode fazer
uma coisa ou a outra, não dá. Esses projetos precisam acontecer agora, e não
depois. Ninguém está interessado em discutir projetos para 2030, são
oportunidades de hoje. Temos de fato que buscar viabilizar grandes cargas
porque elas são resoluções estruturantes para o problema do Nordeste de geração
renovável.
Até o momento, pelo menos
quatro projetos, incluindo três plantas de H₂V e um data center, tiveram
a ligação na rede negada pelo ONS. Juntos, eles somam, em investimentos,
mais de R$ 115 bilhões na cotação atual.
Voltalia: empresa
francesa prevê investimento de US$ 3 bilhões — aproximadamente R$ 17 bilhões;
Fortescue: empresa
australiana prevê investimento de R$ 20 bilhões;
Casa dos Ventos (H₂V): US$ 5 bilhões —
aproximadamente R$ 28 bilhões;
Casa dos Ventos (data center): R$
55 bilhões.
Pareceres negados mesmo com
estudos
Essas declarações de Habib
foram feitas à reportagem do Diário do Nordeste durante a 5ª
edição do InterSolar Summit Brasil, evento que discutiu a aplicação das
energias renováveis no País. Um dos principais pontos foi os dois pareceres de
acesso negados pela Casa dos Ventos.
"A EPE divulgou um estudo
ano passado dizendo que tinha margem. Em todos os nossos cálculos, tinha
margem, mas o ONS decidiu que não tem mais margem. Se não tem margem, parecer
de acesso negado, não faz projeto", explica.
A EPE na qual o
diretor da Casa dos Ventos se refere é a Empresa de Pesquisa Energética. O
órgão, subordinado ao Ministério de Minas e Energia (MME), publicou um estudo
em outubro de 2024.
Nele, fica claro que "o
sistema existente e planejado da região Nordeste já possui capacidade para conexão
de cargas de grande porte, suficientes para o início do desenvolvimento de
empreendimentos de produção de hidrogênio".
Tal afirmação, no entanto, é
diferente do entendimento do ONS. Em nota enviada à reportagem, o Operador
afirma que as negativas de acesso dos projetos acontecem pela
"inexistência de rede de transmissão disponível para atender, com
segurança, os elevados montantes de demanda solicitado".
A conexão de grandes
consumidores, como data centers e plantas de H₂V, representa um novo desafio para sistemas
elétricos. Essas cargas, de natureza disruptiva, têm surgido recentemente com
demandas muito elevadas — muitas vezes da ordem de gigawatts (GW) —
concentradas em pontos específicos do sistema, o que foge aos padrões
históricos de crescimento da carga considerados no planejamento da expansão da
transmissão, que se baseia em projeções macroeconômicas e demográficas.
ONS
Sobre o porquê das negativas
para os projetos de ligação na rede
O Operador também garante que
está agindo em parceria com o MME e a EPE para "viabilizar soluções
estruturantes que permitam, de forma segura e sustentável, a futura conexão
dessas novas cargas, resguardando a confiabilidade do atendimento a todos os
usuários do sistema".
Como está o panorama da
geração de energia no Brasil?
As grandes usinas
hidrelétricas, localizadas em vários dos principais rios brasileiros, ainda são
as principais responsáveis pela energia gerada e consumida no País. Pouco a
pouco, porém, a participação das plantas eólicas e fotovoltaicas ganham
participação nesse cenário.
No atual sistema elétrico de
geração centralizada (GC) do Brasil, tudo o que é produzido no País tem de ser
imediatamente colocado na rede para o consumo. Às 19h05 da quarta-feira (30),
segundo o ONS, a produção de energia no Brasil era dividida da seguinte forma:
Hidrelétricas: 70,3 GW (78%);
Eólicas: 12,1 GW (13,4%);
Térmicas (incluso nucleares):
6,6 GW (7,3%);
Fotovoltaicas: 0,04 GW (0,3%).
TOTAL DA GERAÇÃO: 90,1 GW
(100%).
A geração das renováveis, no
entanto, é impactada pela decisão de curtailment,
em vigor desde o incidente de agosto de 2023 na linha de transmissão
Quixadá-Fortaleza II e que provocou uma sobrecarga incomum no sistema, levando
ao apagão que deixou praticamente todo o Brasil sem energia.
Essa questão é um dos
principais desafios colocados por Raphael Amaral, professor do
Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para ele, o curtailment, aliado com a falta de infraestrutura da rede,
pode fazer com que o Ceará e o Nordeste concretizem o colapso mencionado por
Francisco Habib.
Estamos enfrentando um limite
de saturação e estrangulamento estrutural. Esse fenômeno do curtailment tem
se intensificado porque existe essa limitação desse escoamento de energia.
Estamos gerando energia, mas estamos mandando para onde? Tem demanda na região?
Não. Então preciso mandar para onde? A energia elétrica tem esse problema.
Raphael Amaral
Professor do Departamento de
Engenharia Elétrica da UFC
Usinas podem virar
"elefantes brancos"
Na época da Copa
do Mundo de Futebol de 2014, a discussão era se vários dos 12 estádios
construídos para a competição no Brasil se tornariam "elefantes brancos",
isto é, estruturas gigantes e com grande valor agregado, mas sem uso prático e
com alto custo de manutenção. Esse é o atual desafio das usinas de energias
renováveis no Nordeste.
Pelas características de hoje,
geração energética brasileira e a lentidão em avanços na área, Raphael Amaral
acredita que esse deve ser o destino das nossas usinas caso não haja soluções
práticas efetivas.
"Essa falta de
previsibilidade regulatória e essa lentidão na infraestrutura, principalmente
de transmissão, compromete a segurança de retorno do investimento, corremos o
risco de que esses projetos virem elefantes brancos se não houver nada que seja
feito", alerta.
"A consequência dessa
falta de investimentos na infraestrutura também é a perda de investidores tanto
nacionais como internacionais manifestarem interesse em continuarem investindo
nesse setor por conta de toda essa situação. A vinda de investimentos desse
porte traz uma rentabilidade maior para a região, uma rotatividade na economia,
mas tudo isso é afetado com o curtailment", completa o professor.
Ceará desperdiça 20% do
potencial com curtailment
Como essa realidade já é
sentida por quem produz a energia elétrica por meio de fontes renováveis,
Raphael Amaral pontua que o desperdício médio com as restrições na geração de
eletricidade fica na casa dos 15% no Nordeste, mas é ainda maior quando o
recorte é feito para o Ceará especificamente.
"Trazendo especificamente
para o Ceará, pode chegar a números mais expressivos, de 20% da geração sendo
desperdiçada nos horários de pico. Uma das alternativas é o armazenamento dessa
energia, seja por hidrogênio verde, seja por baterias, mas é um problema. É um
problema que precisa começar a ser trabalhado por todas as esferas porque traz
prejuízos muito sérios para o nosso estado", avalia.
A questão das baterias,
trazida pelo professor da UFC, é um dos pontos analisados, uma vez que elas
atuam para armazenar a energia produzida em horários fora de pico e depois
distribuída para a rede. Na análise do especialista, elas constituem o melhor
meio atual de reduzir os efeitos negativos do curtailment.
"Se gerar energia
elétrica, tem que consumir instantaneamente, a não ser que armazene. Uma das
alternativas para evitar esse curtailment, mas que envolve mais custos. O
hidrogênio verde é algo muito incerto de tecnologia, enquanto as baterias já
estão mais consolidadas e seria uma maneira mais viável de se chegar em um
equilíbrio", diz.
A reportagem questionou
diversas entidades, tais como Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica),
Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) e MME para
entender o que poderia ser feito para evitar esse colapso nas usinas de
energias renováveis, mas não obteve retorno até a publicação deste material. O
espaço segue aberto.
Fonte: Diário do Nordeste

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