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| Fonte: Reprodução |
Desempregado e com dívidas
trabalhistas em torno de R$ 35 mil, o eletricista Marcelo* reivindica
judicialmente o recebimento de salários, férias e encargos não pagos pela
Acender Engenharia, empresa terceirizada da Enel Ceará. Ele é um dos 8.400
trabalhadores que se dizem prejudicados por prestadoras de serviços da
companhia de energia.
Marcelo trabalhou como técnico
eletricista em Quixadá de dezembro de 2019 a janeiro de 2024. Ele afirma que a
Acender deixou de fazer os depósitos mensais do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e depositar a remuneração adicional de hora-extra em 2021, o que
levou ao início de reivindicações pelos funcionários.
A situação ficou insustentável
no fim de 2023, quando a empresa teria começado a atrasar o pagamento de
salários, férias e vale-alimentação. "Voltei de férias em 10 de outubro e
não recebi o valor das férias. Aí, em 16 de janeiro, a empresa rescindiu o
contrato de todos os funcionários. Mas não depositou nada. Me deu aviso prévio
de 45 dias e não pagou", afirma.
Único responsável pelo
sustento de sua família, o eletricista tem renda garantida temporariamente pelo
seguro desemprego e já teve que se desfazer de alguns itens pessoais para não
faltar com a pensão alimentícia de seu filho mais velho, de 10 anos.
Marcelo conta que é um dos
eletricistas que não foi contratado pela nova empresa que assumiu a
operação da região após a saída da Acender. Ele teme que seja uma forma de
vingança por seu comportamento durante as paralisações.
"Eu fui muito de frente
no período dessas paralisações. Quando voltei de férias, disse que estava à
disposição, mas que não tinha condições financeiras de me deslocar sem receber
o salário. Eu precisava abastecer minha moto, precisava me alimentar fora de
casa. Os plantões eram muito longe da cidade. Eu gastava em torno de R$ 400 por
mês de combustível, não tinha como eu me manter mais 30 dias sem receber",
conta.
A Acender é uma das 17
terceirizadas da Enel processadas pelo Sindicato dos Eletricitários do Estado
do Ceará (Sindeletro) por atrasos de pagamentos e danos morais. A empresa
assumiu judicialmente uma dívida trabalhista que gira em torno de R$ 10,5
milhões e alega que não tem condições financeiras de arcar com os
custos.
Nesse caso, a responsabilidade
de pagamento dos encargos trabalhistas é da Enel Ceará, contratante do serviço,
aponta Beatriz Xavier, professora de Direito do Trabalho da Universidade
Federal do Ceará (UFC). A obrigatoriedade está prevista na Lei 13.429, de 31 de
março de 2017.
Entre as irregularidades
denunciadas pelos trabalhadores, está a falta de pagamento de hora extras,
adicional de periculosidade e vale-alimentação, além de jornadas de trabalho
excessivas e descumprimento de normas da convenção coletiva.
AÇÕES JUDICIAIS MOVIDAS DESDE
2021
O processo mais antigo movido
pelo Sindeletro é contra a empresa Endicon Engenharia, que realizava serviços
para a Enel na Região do Cariri, desde 2021. A empresa é alvo de oito ações
judiciais, envolvendo danos morais, rescisão indireta e atraso de salários e
verbas rescisórias.
O ex-eletricista Lima Júnior é
um dos 1.100 trabalhadores demitidos pela empresa em abril de 2021 e denuncia
que não recebeu o salário de um mês e as verbas de rescisão. A dívida
trabalhista gira em torno de R$ 50 mil e causou um transtorno na vida do profissional
na época.
"A Enel rompeu o contrato
e a gente foi posto para fora pela Endicon com a promessa de que, em 10 dias,
seriam pagas as verbas rescisórias. No entanto, passou dez dias e nada. A gente
saiu com uma mão na frente e outra atrás. Está claro que ela deve a gente,
porém ela vem recorrendo. E está aí, há mais de 3 anos", afirma Lima
Júnior.
Ele lembra que os
trabalhadores precisaram recorrer a bicos, como a venda de picolés, para
garantir a renda na época e até mesmo pedir que familiares fizessem
empréstimos. Devido ao trauma, Lima Júnior decidiu mudar de profissão e optou
por não trabalhar na terceirizada que assumiu a operação no lugar da
Endicon.
"Fiquei desvanecido. É um
absurdo o que Enel vem fazendo. Fez, faz e vai fazer. Uma empresa milionária. A
gente acredita que um dia vai resolver porque a Justiça é lenta, mas não falha.
Pela Justiça, demorando muito, a gente acha que vai dar certo. A gente esperava
que fosse uma coisa rápida, partindo das empresas", lamenta.
Uma das ações contra a Endicon
está próxima de um desfecho positivo, com pagamento de aproximadamente R$
500 mil a um grupo de 26 trabalhadores, segundo o presidente do Sindeletro,
Plínio Monteiro. Ele aponta que o valor total que a Endicon deve é superior a
R$ 10 milhões, mas não há previsão para uma decisão favorável aos trabalhadores
em outros processos.
"A Enel é uma empresa
rica, faz parte de um grupo mundial muito rico, então nós acreditamos que eles
utilizam todos os recursos que podem, todos os mecanismos que a própria Justiça
dispõe. Tem a questão do ritmo que a justiça trabalha juntamente com as
inúmeras possibilidades de recurso", afirma Plínio Monteiro sobre a
demora em resolução dos processos.
A Enel Distribuição Ceará
afirmou, em nota, que realiza o acompanhamento, monitoramento e fiscalização
das suas contratadas, estando aí incluídos o cumprimento das obrigações
trabalhistas.
A empresa ressaltou que a
contratação de terceirizadas é realizada por meio de processo licitatório
robusto e "identificando qualquer descumprimento ou atrasos por conta das
empresas terceirizadas, atua visando garantir a resolução das pendências".
A reportagem procurou as
empresas Acender e Endicon, mas não obteve contato. Segundo
o Sindeletro, essas empresas não estão mais em operação.
TERCEIRIZAÇÃO E PROBLEMAS NA
QUALIDADE DO SERVIÇO
A Enel Ceará tem apostado cada
vez mais na terceirização, o que está relacionado ao nível do serviço
apresentado, segundo Plínio Monteiro. A principal queixa da entidade é que a
Enel não realiza a fiscalização das atividades e das obrigações trabalhistas
nas empresas terceirizadoras.
"Antes da privatização,
eram em torno de 7.000 empregados próprios e mil terceirizados. A situação se
inverteu após a privatização. São mais ou menos 52 empresas terceirizadas agora
e a tendência é aumentar", afirma o presidente do Sindeletro.
A Enel Ceará, que tem contrato
para fornecer energia no Ceará até 2028, é campeã de reclamações no Programa Estadual de Proteção
e Defesa do Consumidor (Decon) do Ministério Público Estadual há quatro
anos. Supostas irregularidades e abusos cometidos pela empresa são
investigados em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na
Assembleia Legislativa.
A advogada Beatriz Xavier
aponta que a estratégia de terceirização é bastante prejudicial aos
trabalhadores, já que as empresas prestadores de serviço tem uma saúde
financeira menor, e geralmente não cumprem as obrigações trabalhistas.
"No fim, só lá na ponta,
é que serão responsabilizadas as grandes companhias. E essa empresa grande
recebe o fruto do trabalho, se beneficia, ganha dinheiro, na dinâmica das
relações com as terceirizadas. O ideal é que se ela tem fruto positivo desse
trabalho, cumpra com as responsabilidades ", explica a especialista em
direito trabalhista.
A recomendação é que
trabalhadores prejudicados ingressem com reclamações trabalhistas e busquem
apoio do Sindeletro e do Ministério Público do Trabalho, que devem fazer a
intermediação entre as empresas responsáveis.
*Nome fictício para preservar
a identidade da fonte

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