Por
unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram
inconstitucional o uso do argumento da "legítima defesa da honra" em
feminicídios julgados no tribunal do júri.
A
análise do caso foi concluída nesta terça-feira (1º), na sessão de reabertura dos trabalhos da Corte.
Os
ministros acompanharam o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli. Em
junho, já havia maioria para considerar inconstitucional o uso do
argumento.
Pela
decisão, a "legítima defesa da honra" não poderá ser usada por
advogados, policiais ou juízes — de
forma direta ou indireta.
A proibição vale tanto para a fase de
investigação dos casos quanto para as situações em que os processos chegam ao
tribunal do júri.
Além disso, a defesa não poderá usar o argumento e depois pedir a
anulação do júri popular. Ou seja, o acusado não pode agir de forma irregular e
depois tentar se beneficiar disso.
Os
ministros concluíram ainda que tribunais
de segunda instância poderão acolher recursos pela anulação de absolvições, caso estas tenham sido baseadas na tese. A Corte entendeu que, se
o tribunal determinar novo júri, não vai ferir o princípio da soberania dos
vereditos dos jurados.
Histórico
A tese da "legítima defesa da honra" era utilizada em casos de
agressões ou feminicídios para justificar o comportamento do acusado em
situações, por exemplo, de adultério, na qual se sustentava que a honra do
agressor havia sido supostamente ferida.
A ação que discute o tema foi apresentada pelo PDT, em janeiro de 2021.
A sigla argumentou que não são compatíveis com a Constituição absolvições de
réus pelo júri baseadas na tese da "legítima defesa da honra",
classificada como "nefasta, horrenda e anacrônica".
Em 2021, em julgamento virtual, a Corte já havia decidido suspender —
até o julgamento definitivo da ação — o uso da tese por advogados de réus em
júri popular.
À época, os ministros consideraram que a aplicação da "legítima
defesa da honra" é inconstitucional por violar princípios como o da
proteção à vida, dignidade da pessoa humana e igualdade.
Em junho deste ano, os ministros iniciaram a análise definitiva do caso
e confirmaram a inconstitucionalidade
da tese.
Na ocasião, o relator, ministro Dias Toffoli, votou contra o uso do
argumento. Ele foi seguido por André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de
Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Conclusão do caso
No julgamento desta terça, a Corte concluiu a análise do processo, com
os votos das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Ao votar, a ministra Cármen Lúcia relembrou, sem citar nomes, o caso da
socialite Ângela Diniz, assassinada por Doca Street.
Doca era companheiro de Ângela, e os dois haviam terminado o relacionamento
pouco antes do crime.
Em dezembro de 1976, ele matou Ângela com quatro tiros no rosto durante
uma discussão do casal em Búzios, no Rio de Janeiro, onde a socialite tinha uma
casa na Praia dos Ossos. À época, Doca alegou "legítima defesa da
honra" e disse ter matado Ângela "por amor".
A ministra também citou leis da época do Brasil Colônia, que atribuíam
ao homem o poder sobre o corpo e a vida da mulher. Argumentou que, ainda
atualmente, as mulheres continuam a ser tratadas como "coisas" e que
nesta condição, devem "se submeter ao poder de mando de alguém".
Cármen afirmou que o tema dialoga com a questão da dignidade humana em
"uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata
mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres donas de sua
vida".
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, argumentou que a tese não é
compatível com uma sociedade livre e democrática.
"Simplesmente não há espaço, no contexto de uma sociedade
democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da
pessoa humana, para restauração dos costumes medievais e desumanos do
passado", afirmou.
De acordo com a ministra, a formação social baseada na "ideologia
patriarcal" pressupôs uma espécie de superioridade masculina, a partir da
qual se "legitima a eliminação da vida de mulheres" para reafirmação
de papéis sociais e do que consideram ser "sua honra".
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