Foto: Reprodução/Policia Civil |
A delegada Ana Paula
Barroso, diretora-adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis
(DPGV) da Polícia Civil do Ceará (PC-CE), denunciou neste domingo (19)
que sofreu racismo numa loja da Zara em um shopping no
bairro Edson Queiroz, em Fortaleza. O inquérito policial foi aberto e as
responsabilizações criminais estão sendo apuradas. Contudo, especialistas
asseguram que a loja já pode responder por dano moral.
“Existem as
responsabilidades criminais, pelo cometimento do crime, [que cabem ao
autor], mas existem, também, as civis, que são reparações de danos.
E, nesse caso, teve dano moral causado à pessoa, pelos transtornos,
o abalo, a exposição. E isso é do estabelecimento comercial”, explica
Mariana Lobo, defensora pública e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e
Ações Coletivas.
Segundo Tharrara
Rodrigues, integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial na Ordem dos
Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), essa ação cabe porque a loja tem
responsabilidade pelos próprios funcionários e deve supervisionar a
conduta adequada. “Pode ter sido um caso isolado, mas a loja tem
responsabilidade pelos funcionários e pelas ações deles”, reforça a
advogada.
Considerando a
frequência do crime de racismo no Brasil, que dispara diante da quantidade
pequena de responsabilizações, Lobo e Rodrigues estimulam que vítimas denunciem
o crime à delegacia, registrem Boletim de Ocorrência (B.O) e busquem as
instituições para suporte jurídico.
Além disso, à
sociedade, de acordo com as juristas, cabe cobrar do poder público, dos órgãos
de segurança e da Justiça a aplicação enérgica da lei.
O crime de racismo está
na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que pune quem
praticar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. No artigo 5º, o texto aponta que “recusar ou impedir acesso a
estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou
comprador” é passível de prisão de um a três anos.
RACISMO X INJÚRIA
RACIAL
O racismo tem lei
própria e é inafiançável. Contudo, no Código Penal, há, também, um artigo que pune com detenção
de um a seis meses ou multa quem praticar injúria racial contra outra
pessoa.
Segundo o Conselho
Nacional de Justiça, enquanto o racismo “atinge uma coletividade indeterminada
de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”, a injúria consiste
em “ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor,
etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência”.
De forma prática, de
acordo com Tharrara, a injúria é uma ofensa individualizada, direcionada a
alguém. Portanto, segundo a advogada, o que aconteceu com Ana Paula Barroso
pode ter sido algo maior, o racismo em si, ainda que “velado”, visto que,
conforme as informações preliminares, o segurança "apenas"
embarreirou que a delegada acessasse a loja.
A tentativa de cercear
o direito de acesso ao ambiente é uma forma velada, também, de racismo,
praticada por instituições privadas. Existe essa problemática e é até mais
difícil de analisar porque não tem violência direta, evidente”.
Tharrara Rodrigues
Integrante da Comissão
de Promoção da Igualdade Racial na Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará
(OAB-CE)
REUNIR
PROVAS
Ana Paula alegou que o
funcionário da loja a embarreirou por “questões de segurança”. A loja, por sua
vez, se posicionou dizendo que o bloqueio teria sido pelo fato de a delegada
estar sem máscara de proteção contra a Covid-19, tomando sorvete.
O vídeo do circuito
interno de segurança da loja foi colhido pelos policiais após o
estabelecimento recusar a entrega espontânea das imagens. Para apurar
possíveis adulterações, o vídeo será periciado.
Segundo Mariana Lobo e
Tharrara Rodrigues, apesar de o depoimento da vítima ter peso, nesses casos, é
necessário ter o máximo possível de material comprobatório do
crime.
“A gente orienta que a
pessoa filme, tenha um registro gravado da ofensa, ou do rosto do ofensor, ou
por meio de áudio. Tudo isso é material comprobatório”, diz Tharrara. Já
Mariana Lobo reforça a necessidade de que a denúncia seja feita logo após o
crime.
Acho que a gente tem
que cada vez mais dar visibilidade para esses casos e debater a necessidade da
educação em direito como prevenção”
Mariana Lobo
Defensora pública
COR E RAÇA
A identidade
étnico-racial brasileira ainda se mostra como uma grande dúvida para parte da
população. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
classificação de cor para definir quem é preto, pardo, branco, amarelo ou
indígena no Brasil tem como critério a autodeclaração.
Então, como saber se
sou negro ou pardo? Primeiro, é importante esclarecer que pardo faz parte do
grupo racial negro. O Estatuto da Igualdade Racial define a população negra
como "o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme
o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição
análoga".
A antropóloga e
professora Izabel Accioly explica que a complexidade e as indefinições sobre a
questão racial no País decorrem de um longo processo de miscigenação.
"Essa miscigenação
fez com que nossa identidade racial fosse alvo de grandes indefinições. Quando
a imigração europeia foi incentivada era uma ideia eugenista de
embranquecimento do perfil racial do povo brasileiro, o que não ocorreu de
fato, visto que nós, pessoas negras, somos 56% da população", diz.
Segundo explica, embora
o termo pardo esteja ligado a uma origem miscigenada, também decorre de uma
população de cor preta que não conseguia se identificar como tal, processo que
acontece até hoje.
"Lá nos anos 70, a
grande luta do movimento negro foi para que esse grupo fosse entendido como
unificado, preto e pardo, porque muitas pessoas de pele preta não conseguiam se
auto-afirmar pretas. Uma pessoa miscigenada e que tem a pele negra clara é uma
pessoa considerada parda", explica.
PRETO OU NEGRO?
A forma adequada como
se referir à população negra também é comumente questionada. Izabel Accioly
explica que ambos os termos estão corretos, estando o negro relacionado a
questão racial e o preto a cor da pele.
"Aqui no Brasil a
desinformação sobre raça é tão severa que as pessoas não sabem como se referir
a quem é negro. A cor da minha pele é preta, já a minha raça é negra. Se você
se refere a mim como uma pessoa preta você está falando da cor da minha pele, e
se você se refere a mim como uma pessoa negra você está falando da minha
raça", destaca.
IDENTIFICAÇÃO RACIAL
Ainda conforme a
antropóloga, existem três métodos de identificação racial: a autoidentificação
- quando a própria pessoa se identifica como tal; a heteroidentificação -
quando terceiros dizem a que grupo étnico-racial o indivíduo pertence; e a
identificação biológica.
Contudo, esta última -
usada geralmente na identificação racial de grandes grupos - tem se mostrado
controversa e não efetiva, segundo aponta Izabel Accioly.
Imagine que eu sou uma
mulher negra e resolvo fazer um teste de DNA e dá que 80% do meu sangue é
europeu. A minha pele é preta e esse teste não vai me fazer parar de sofrer
racismo"
Izabel Accioly
Antropóloga e
professora
"No Brasil o
racismo não é de origem, é de aparência. Se você parece, se você carrega os
traços e as características do que se acredita ser do negro você vai sofrer
preconceito. Esse é o problema de ver DNA como uma forma de pensar raça. A raça
é um conceito social, pois socialmente somos tratados de modo desigual com base
na cor de nossa pele", destaca.
SERVIÇO
A Defensoria Pública do
Ceará e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) prestam suporte gratuito em
casos de racismo e injúria racial.
Defensoria Pública
E-mail: ndhac@defensoria.ce.gov.br
Telefone: (85) 98895-5514
WhatsApp: (85) 98873-9535
OAB-CE
E-mail: copiroabce@gmail.com
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