Justiça manda soltar cabeleireiro preso sem provas desde julho de 2018. Sidney Vieira foi citado em morte por homem que atribui confissão a tortura.




Lorenzo, filho de Sidney Sylvestre Vieira, com uma foto dos pais - Marlene Bergamo/Folhapress

SÃO PAULO

 A Justiça determinou nesta quarta-feira (13) a soltura do cabeleireiro cabeleireiro Sidney Sylvestre Vieira, 31, preso, sem provas, desde julho do ano passado sob a suspeita de ter participado da morte de um homem que, diz ele, nunca viu.
Antes disso, ele teve um habeas corpus negado pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Segundo o advogado Thiago Gomes Anastácio, que assumiu o caso neste ano, havia um recurso pendente na primeira instância. 
"Um juiz técnico e sem discursos sobre conservadorismo e progressismo decidiu com base na lei e no óbvio das provas. Justiça foi feita por essa magistratura jovem que certamente é obediente à Lei e da Justiça", afirma o advogado, que atua sem remuneração no caso.  
Agora, Sidney deve responder ao processo em liberdade, coisa que a família já pensava que não fosse mais acontecer. "Como tinha sido negado o pedido, estávamos sem esperança. Meu irmão estava a ponto de tirar a vida", disse a irmã dele, Liliane Silvestre.   
Os familiares devem recebê-lo na porta do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, assim que os trâmites de soltura forem concluídos. Sidney não poderá sair da comarca ou se aproximar de familiares da vítima.
Folha vem publicando reportagens sobre o assunto desde julho. O inferno do cabeleireiro, que tem quatro filhos e nenhum antecedente criminal, começou em 19 de novembro de 2017 em um episódio provocado, conforme a polícia, por outra identificação errada originada pelo mesmo homem que acusou Vieira e depois voltou atrás.
Naquele dia, segundo testemunhas, o marceneiro Rubens Henrique Pungirum, 32, sequestrou o professor aposentado Miguel Elias, 74, em Itapecerica, colocou-o no porta-malas de um carro e o levou para a margem de uma rodovia, onde o espancou. Elias foi achado pela polícia e levado a um hospital, onde morreria em 4 de dezembro.
À época, a vítima foi ouvida duas vezes pela polícia. Contou ter sido sequestrada por Pungirum e por um desconhecido. O marceneiro o acusava de ter estuprado sua filha de 11 anos. Elias negou o crime e disse que nem conhecia a criança. Somente após sua morte ficou pronto o exame de corpo de delito, comprovando não ter havido estupro.

Familiares e amigos de Sidney Sylvestre Vieira, que está preso há mais de um ano sem prova - Marlene Bergamo/Folhapress

Em maio de 2018, Pungirum foi preso. No seu depoimento, cinco meses após o espancamento de Elias, surgiu o nome “Sidnei”. Elias disse duas vezes que apenas duas pessoas o agrediram. Mas Pungirum mencionou uma terceira: “Sidnei” seria “um conhecido”, além de um “Beto de Tal”. A divergência sobre o número de agressores nunca foi esclarecida pela polícia nem pelo MP. No início, os dois órgãos falavam em dois homens, depois passaram a falar em trio.
Em abril, ouvido pela Justiça, Pungirum recuou das declarações e disse que não sabe quem espancou Elias. Ouviu falar que o idoso foi “linchado”. “Na delegacia eles me levaram para o corpo de delito três horas da tarde. Sete da noite eles me levaram lá pra cima, me bateram. Eles sim deveriam assinar uma [confissão de] tortura”, disse Pungirum.
O habeas corpus negado anteriormente foi analisado pelos desembargadores da 15ª Câmara de Direito Criminal que, por unanimidade, negaram a possibilidade de Vieira aguardar seu julgamento em liberdade. 
Havia uma expectativa da soltura do cabeleireiro porque, no mês passado, a procuradora Mônica de Barros Marcondes Desinano manifestou pela soltura do réu. Segundo seu parecer, entre outros motivos, Vieira é réu primário, tem residência fixa e emprego lícito.
Também manifestou integrante do Ministério Público que todas testemunhas foram ouvidas e não há qualquer indicativo de que o cabeleireiro “em algum momento demonstrasse pretensão de influir sobre o depoimento delas, de forma a comprometer a instrução criminal, ou mesmo que solto represente perigo à sociedade e à ordem pública”.
Neste contexto, a segregação do paciente – que perdura por mais de um ano e três meses – caracteriza constrangimento ilegal, pois ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva”, manifestou Mônica que sugeriu uma medida alternativa à prisão.
A sustentação oral do caso foi feita, porém, pelo procurador Francisco Cembranelli (o mesmo do caso Nardoni), que não levou em consideração a manifestação da colega e defendeu a manutenção da prisão. Os desembargadores concordaram com ele.

Procurada pela Folha, a Promotoria não respondeu a uma série de perguntas. Informou que a denúncia “está lastreada em indícios de crime e de autoria compilados na investigação”, sem citar quais. 
“O Ministério Público trabalha agora para que a prova indiciária seja corroborada sob o crivo do contraditório, observadas as demais garantias do devido processo legal”, declarou o órgão. “Qualquer comentário neste momento a respeito do contexto probatório poderá prejudicar a instrução do feito.” 
A Secretaria da Segurança Pública diz que “o caso de tortura foi investigado pela Delegacia de Itapecerica da Serra, que indiciou dois homens pelo crime e relatou o inquérito em maio de 2018 ao Poder Judiciário”.
No julgamento desta quinta (7), segundo a mãe da Vieira, Eliana Silvestre, 53, isso ficou ainda pior. "Nenhum momento ele citou o nome do tal de Beto. O Beto sumiu. Tiraram o Beto e colocaram o meu filho. A família não se conforma com isso. Não deram nem a oportunidade de meu filho responder na rua, para ele mostrar que ele não fez nada", afirmou ela, que acompanhou o julgamento.
"Eu senti uma inútil ali sentada. Escutando o promotor debochar da cara do advogado. E eles falando do meu filho, e nem conhecem ele, colocando ele como um criminoso. Isso não entra na minha cabeça."
Fora o primeiro depoimento do marceneiro, nenhum outro indício contra Vieira foi adicionado à investigação. Os promotores que atuaram no caso defenderam a prisão de Vieira mesmo sem obter provas materiais que pudessem confirmar ou desmentir a acusação de Pungirum.
Não havia, por exemplo, quebra de sigilo telefônico nem imagens de segurança que provassem que o marceneiro telefonou para Vieira naquele dia ou que o cabeleireiro esteve na região do crime.  Pungirum afirmou ter pego Vieira em Ibiúna e o deixado em Cotia, mas o cabeleireiro mora e trabalha em Embu das Artes, também na Grande SP.
O cabeleireiro foi preso em julho de 2018. Ele disse que estava em sua casa no dia do espancamento e que não conhecia Pungirum. Seu advogado pediu às operadoras de telefonia dados do celular para provar que Vieira e o marceneiro não se falaram no dia.
Essa dúvida ainda persiste. As empresas de telefonia móvel ainda não informaram a localização do aparelho celular de Vieira que vai determinar onde ele estava.
Fonte:Folha.com