A
definição dos novos 40 conselheiros tutelares de Fortaleza ainda não acabou.
Passado o processo eleitoral, começa nova etapa que pode modificar a lista de
eleitos: a investigação de condutas ilícitas durante o pleito. O Observatório
do Ministério Público do Ceará (MPCE), criado como projeto piloto para as
eleições do Conselho Tutelar na Capital, acompanhou o dia de votação nos 55
colégios eleitorais e flagrou violações graves, como distribuição de santinhos
dentro das escolas, compra de voto e transporte ilegal de eleitores.
“Vamos propor a
impugnação de muitos eleitos e suplentes”, adianta a promotora de Justiça,
Antônia Lima Sousa, que atua na fiscalização da atuação do Conselho Tutelar e
do processo de escolha. Um grupo de candidatos derrotados também diz preparar
denúncia contra a organização do pleito.
O Observatório foi criado a partir de um termo de cooperação entre o MPCE para
que 110 estudantes concludentes fossem capacitados para atuar na fiscalização
do dia da eleição do conselho.
Até o fim desta
semana, eles devem disponibilizar aos promotores os relatórios com as infrações
detectadas. Para que a população pudesses reconhecê-los, todos estavam
uniformizados e identificados como agentes ligados ao Ministério Público. Ainda
assim, houve quem, dentro das escolas, formasse aglomerações que configuram
campanha eleitoral, mantivesse adesivos nos carros, distribuísse santinhos,
dentre outras infrações — segundo o MPCE. Foram flagrados adesivos até mesmo em
carros de funerária.
“Por causa do
apoio religioso, político e econômico, a violação das regras foi exacerbada.
Qual o papel dos observadores nesse processo de escolha? Eles (os candidatos)
não sabiam que o Ministério Público tinha essa estratégia de verificação. Vão
surpreender a todos as consequências dos atos de desordem praticados”, diz a
promotora Antônia.
Violações
O presidente da
Associação dos Conselheiros Tutelares do Ceará, Eulógio Neto, lembra que é a
população que escolhe os conselheiros e deveria ser a primeira a seguir a lei.
Segundo a promotoria, há registro de pessoa já eleita, mas com a manutenção do
resultado ameaçada por suspeita de compra de votos. A suspeita é de que tenham
sido recebidos valores de R$ 20 e R$ 50 por eleitor. “Aquele ‘oba oba’ das
grandes somas de votos pode esconder condutas vedadas que os candidatos
conheciam. As irregularidades foram vistas por mim. Circulei a cidade durante
todo o dia com a Guarda Municipal. Chegamos a lugares em que a situação de
crime eleitoral era complexa”, pontua o presidente Eulógio.
Ele conta ainda
que houve casos em que senhoras idosas foram flagradas com lista de conferência
do nome de eleitores e santinhos de candidatos em sacolas, dentro dos locais de
votação. “Não era numa esquina como se denuncia nas eleições, era dentro das
escolas”, ressalta.
De acordo com o
ex-vereador, a situação mais grave foi nas regiões periféricas da Capital, como
os bairros do Grande Bom Jardim, no Conjunto Ceará, no José Walter, no
Jangurussu, no Pirambu e no Autran Nunes.
Influência religiosa
“Nesses bairros
mais periféricos vimos muitas pessoas com condutas acirradas, gerando uma
competição de quem tinha mais para oferecer”, afirma Eulógio. Ele corrobora com
a tese de que a influência de grupos religiosos, tanto católicos como
evangélicos, acirrou a disputa.
Ainda segundo a
promotora Antônia Lima, criar um formato de fiscalização efetiva foi importante
para uma eleição de conselheiro tutelar que ganhou novas proporções. “A gente
já sabia que haveria violações, é típico das eleições, mas agora a gente tem um
papel muito mais eficaz com essa articulação junto à academia”, ressalta.
Além dos
registros feitos pelos fiscais do Observatório, há outras denúncias em apuração
de outros municípios do Ceará sobre irregularidades nas salas de votação e
transporte ilegal de eleitores.
“O relato dos
observadores foi de que houve muita violação de condutas vedadas. A partir daí,
vamos provocar a Comissão Especial, que é quem julga o pedido das candidaturas.
Quem tiver incidido em condutas vedadas terá sua eleição anulada”, diz Antônia.
Em todo o País,
foram registradas irregularidades e disputas acirradas pelo Conselho Tutelar. A
iniciativa de fiscalização pioneira em Fortaleza será apresentada no próximo
encontro do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares, segundo
Eulógio.
As eleições dos
conselheiros são de competência dos Conselhos Municipais dos Direitos da
Criança e do Adolescente, que instituem comissões para condução dos trabalhos.
A Justiça Eleitoral contribui com o processo por meio do serviço de empréstimo
de urnas eletrônicas. Em Fortaleza, apenas 7,73% do eleitorado participaram do
pleito.
Os eleitos tomam posse dia dez de janeiro de 2020 para um mandato de quatro
anos. Até lá, as investigações podem modificar a lista de quem está apto a
cuidar dos direitos de crianças e adolescentes.
Fonte: DN