A possibilidade de o Executivo limitar repasses de
recursos a outros poderes em caso de frustração de receitas no Orçamento ganhou
o apoio de cinco ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) até o
momento, durante o julgamento sobre a validade da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). Outros quatro votaram pela nulidade dessa autorização. Mas o
placar ainda está em aberto porque dois ministros ainda não declararam suas
posições, o que deve ocorrer em sessão amanhã.
Para declarar um dispositivo
inconstitucional, são necessários os votos de seis ministros. Uma decisão final
da corte é aguardada pelos estados, que veem no dispositivo uma possibilidade
de estancar parte do problema que drena recursos dos cofres estaduais. Hoje,
quando a arrecadação fica abaixo do projetado no Orçamento, os demais poderes
ficam imunes a tesouradas nas despesas e continuam recebendo o repasse mensal
(duodécimo) normalmente, às custas do Executivo.
Por conta disso, os poderes Legislativo,
Judiciário, Ministério Público e Defensoria dos estados tinham no fim do ano
passado uma sobra de R$ 7,7 bilhões em recursos livres, que poderiam ser usados
para bancar outras despesas, como mostrou o Broadcast, sistema de notícias em
tempo real do Grupo Estado, em junho. Enquanto isso, os Executivos dos estados
continuam com contas atrasadas e muitos não conseguem sequer colocar salários
de servidores em dia.
O repasse do duodécimo é um dos
principais pontos na análise de oito ações que contestam uma série de
dispositivos da lei, sancionada em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso. Outro tema que deve ganhar destaque é a possibilidade ou não de
reduzir jornada e salários de servidores em caso de estouro do limite de gastos
com pessoal.
Placar
Até agora, cinco ministros já se
posicionaram a favor de o Executivo poder promover um corte linear nos chamados
'duodécimos' de outros poderes, caso eles próprios não façam o ajuste nas
despesas diante da queda na arrecadação: o presidente do STF, ministro Dias
Toffoli, além dos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e
Marco Aurélio Mello.
Por outro lado, quatro ministros haviam
se manifestado contra o Executivo reduzir repasses para outros poderes:
Alexandre de Moraes (relator das oito ações julgadas), Rosa Weber, Cármen Lúcia
e Ricardo Lewandowski. Faltam os votos de Luiz Fux e do decano, Celso de Mello.
"Essa lei celebra nossa
estabilidade monetária e uma cultura nova de que os recursos públicos são
finitos e que, se o estado repetidamente gastar além do que arrecada e
descontroladamente, ele vai produzir consequências negativas para si ou para o
País de maneira geral", disse Barroso. "Dinheiro não cresce em
árvore, recursos são finitos e é preciso tomar decisões econômicas e jurídicas
com responsabilidade fiscal", acrescentou.
Na avaliação de Barroso, a interpretação
das leis não se faz nem de maneira abstrata nem alienada das circunstâncias da
realidade.
"A realidade fática brasileira,
sobretudo no âmbito dos estados membros, é neste exato momento de absoluto
descontrole fiscal na maior parte dos Estados da federação com uma ou outra
exceção. A norma (da LRF) me parece excessivamente óbvia e acho que ela, em
deferência à independência dos poderes e à autonomia do Ministério Público, dá
a essas instituições a prerrogativa de elas mesmas cortarem, ajustarem as suas
despesas. É um imperativo dos fatos: não tem dinheiro, tem de gastar
menos", afirmou.
Barroso salientou que a lei dá a
oportunidade de os poderes "cortarem na própria carne" diante do
aviso do Executivo de que a arrecadação ficou abaixo do projetado no Orçamento.
"Se eles não fizerem, aí o Executivo, que é quem tem a chave do cofre, tem
que fazê-lo", defendeu o ministro.
O presidente do STF propôs uma
interpretação do artigo que assegure um corte linear entre os poderes, que foi
acompanhado por outros quatro ministros. Ele argumentou que "o Estado é um
só, e a máquina arrecadadora se encontra no Executivo". Para ele, anular o
dispositivo que permite a contenção nos repasses poderia provocar uma
judicialização constante. "O ato do Executivo sempre será necessário
porque o Tesouro é um só", afirmou.
Divergência
A posição do relator, Alexandre de
Moraes, é pela inconstitucionalidade do artigo. Na visão do ministro, a
autorização para o Executivo reduzir os repasses representa "total
afronta" ao princípio da separação dos poderes. "Não significa que o
poder Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público não precisem realizar
adequação. Se o gestor não realizar essa adequação, será responsabilizado. O
que não se pode permitir é que unilateralmente o Executivo decida e corte o
repasse de duodécimos", afirmou argumentou.
A ministra Rosa Weber acompanhou o
relator e se posicionou contra a possibilidade de o Executivo reduzir repasses
para outros poderes. "Essa possibilidade de o Executivo atuar punindo o
Judiciário e o Legislativo afronta o princípio da separação de poderes",
afirmou Rosa.
Cármen Lúcia concordou com a colega. "Não cabe ao
Executivo determinar sozinho esse corte. É preciso que os outros poderes
promovam isso como dever."